Cerrado

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL CERRADO

Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA) Provincial da Província dos Jesuítas do Brasil Pe. Mieczyslaw Smyda, S. J. Secretário para Promoção da Justiça Socioambiental da Província dos Jesuítas do Brasil e Diretor do OLMA Pe. Jean Fábio Santana, S. J. Secretário Executivo / Coordenador Luiz Felipe Barboza Lacerda O Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS) é uma articulação de Entidades, Pastorais e Movimentos Sociais que atuam em rede para gerar consciência crítica e enfrentamento em relação a tudo que causa o aquecimento da Terra e vai tornando mais perigosas as mudanças climáticas, de modo especial para os povos, comunidades e pessoas que as sociedades capitalistas jogam na marginalização e na miséria. Atua em âmbito nacional e se faz presente nos biomas e territórios por meio das suas 36 entidades membros e de outras entidades parceiras, promovendo a convivência com cada bioma e ecossistema por meio de práticas que anunciam e vão construindo sociedades de Bem Viver. Comissão Pastoral da Terra/Articulação Cerrado Campanha Nacional em Defesa do Cerrado

Leila Cristina Lemes dos Santos Morais Lucimone Maria de Oliveira Valéria Pereira Santos (Organizadoras) Casa Leiria São Leopoldo - RS 2024 Cerrado Coleção Corredores Bioculturais do Brasil

Corredores Bioculturais do Brasil Cerrado Ilustrações: Raimundo Carlos Ferreira Alves. Textos: Leila Cristina Lemes dos Santos Morais e Valéria Pereira Santos (edição a partir dos conteúdos da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e da Comissão Pastoral da Terra). © Direitos reservados Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA) Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS) Ficha catalográfica Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB: 10/973 É proibida a reprodução total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio, sem a permissão escrita do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida, do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, da Comissão Pastoral da Terra, da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e dos coordenadores do Projeto. C417 Cerrado. / organização Leila Cristina Lemes dos Santos Morais, Lucimone Maria de Oliveira, Valéria Pereira Santos; ilustrações Raimundo Carlos Ferreira Alves. – São Leopoldo: Casa Leiria, 2024. (Coleção Corredores Bioculturais do Brasil). Disponível em: <http://www.guaritadigital.com.br/casaleiria/ olma/corredoresbioculturais/cerrado/index.html> Direitos reservados: Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA); Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS). ISBN 978-85-9509-121-4 1. Ecologia integral – Biodiversidade – Cerrado. 2. Biodiversidade – Brasil – Cerrado. 3. Cerrado – Corredores Bioculturais. I. Morais, Leila Cristina Lemes dos Santos (Org.). II. Oliveira, Lucimone Maria de (Org.). III. Santos, Valéria Pereira (Org.). IV. Alves, Raimundo Carlos Ferreira (il.). CDU 261.9: 574(81) DOI: https://doi.org/10.29327/5406899

Sumário 06 Mudando a face do Cerrado 08 Apresentação 15 Desafios e ameaças 20 Boas práticas 25 Vamos refletir 26 Interligação com os demais biomas

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 6 Havia uma velhinha que vivia em uma comunidade cercada de sol e lua. Ela levantava todos os dias muito cedo, colocava sobre os ombros um saco de sementes e subia o sopé da montanha, enquanto todos dormiam. A montanha não tinha mais vegetação, era fria e sem vida, e assim estavam todos na comunidade, solitários e individuais. A única vibração viva e calorosa vinha das crianças. Só elas arriscavam subir a montanha, e quando avistavam a velhinha curvada sobre o corpo, gritavam: “velhinha, o que a senhora está fazendo?” Ela levantava o corpo como um ritual, secava o suor do rosto e dizia: “eu estou mudando a face do cerrado”. Sua voz ecoava no vazio das alturas e todos corriam montanha abaixo dando risadas e temerosos, todos julgavam que a velhinha não tinha um juízo perfeito. O tempo passou, a meninada cresceu, casaram, e uma daquelas crianças nunca esquece de sua infância. Um dia a família decidiu visitar a comunidade e, ao chegar, a mulher não mais reconheceu o lugar. A montanha estava florida com flamboyant, Jacarandá, ipês de todas as cores, tinha todos os frutos do cerrado, mamacadela, pequi, araticum, mangaba, murici, guapeva, marmelada, uma diversidade enorme. O lugar estava ensolarado, as pessoas sorriam, conversavam, ligadas por uma intimidade nunca antes vivida naquele lugar, Então a Mulher que outrora fora a criança daquele lugar, perguntou a um senhor de certa idade, que ela lembrava bem quem era: quando foi que tudo isso aconteceu? O aldeão respondeu: você lembra da velhinha que subia a montanha? Foi ela que mudou a face do cerrado. Ela, com seus hábitos estranhos, muito nos ensinou: floresceu e frutificou a montanha, ensinou a importância do viver em comunidade, da visita, do mutirão, do coletivo. Ela foi a guardiã das águas do cerrado, de sua fauna e flora. A Mulher chorou ao fazer memória da velhinha, e lembrou da sua fala: “eu estou mudando a face do cerrado”. Que sejamos velhinhas incansáveis na luta em defesa do cerrado, espalhando sementes de vida e esperança. Conto de Lucimone Maria de Oliveira MUDANDO A FACE DO CERRADO

CERRADO 7

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 8 A cartilha aborda de maneira simples e interligada a realidade do Cerrado. Escrita numa linguagem simples e compreensível, pretende ser uma ferramenta de reflexão e compreensão de que cada bioma é um grande Corredor Biocultural de vida, de desafios e de resistência. Nesse volume, apresentamos os povos do Cerrado, com seus saberes tradicionais associados à biodiversidade, que constroem modos de vida entrelaçados a diversos agroecossistemas. A riqueza do Cerrado inspira vida, mas ela é cotidianamente ameaçada por projetos de morte que expulsam os povos, comunidades tradicionais e camponesas de suas terras e territórios. Esse volume nos apresenta o grande bioma Cerrado brasileiro. Um trabalho realizado a muitas mãos para mostrar as riquezas ecológicas, culturais, os modos de vida dos povos, e as conexões socioecológicas do Cerrado com os demais biomas brasileiros. Esperamos que este material proporcione aos leitores e leitoras grandes aprendizados a partir dos saberes e fazeres dos povos do Cerrado, e que eles desabrochem em consciência e compromissos pela defesa do Cerrado em pé e dos direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais. APRESENTAÇÃO CONTEXTUALIZANDO

CERRADO 9 Fonte: Campanha em Defesa do Cerrado TERRITÓRIO DO CERRADO Formado há cerca de 65 milhões de anos, os Cerrados constituem o mais antigo e o segundo maior bioma brasileiro, ocupando 36% do território nacional, com 192,8 milhões de hectares de Cerrado contínuo e 114,4 milhões de hectares incluindo as áreas de transição. Essas áreas se encontram nos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Maranhão, Bahia, Piauí, Minas Gerais, São Paulo e Paraná, além do Distrito Federal. Por seu tamanho e complexidade natural, interage com a Amazônia, Pantanal, Caatinga e com a Mata Atlântica, constituindo ecótonos, isto é, ricas áreas de interligação de biomas de grande complexidade e diversidade vegetal e animal.

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 10 RIQUEZA ECOLÓGICA DO CERRADO Rio Balsas/Oeste da Bahia. Foto: Thomas Bauer O Cerrado é a segunda maior região ecológica da América do Sul e a Savana mais biodiversa do planeta, chegando a abrigar cerca de 5% da biodiversidade do planeta. Ocupa mais de 25% do território brasileiro em área continua, é o berço das águas do país e lugar da constituição dos modos de vida de diversos povos e suas culturas. BERÇO DAS ÁGUAS DO BRASIL Quilombo Prachata/TO. Foto: Bruno Alface Nas chapadas e planaltos, as raízes profundas da vegetação típica do Cerrado promovem a infiltração das águas das chuvas, constituindo a mais importante área de recarga hídrica do país, abastecendo grandes aquíferos e as maiores bacias hidrográficas da Amazônia - o Tocantins, o Araguaia, o Tapajós, o Xingu, além de vários afluentes do rio Madeira. Esta potência hídrica lhe valeu o título de “berço das águas brasileiras” e “caixa d’água do Brasil”.

CERRADO 11 TERRITÓRIO TRADICIONAL Território dos babaçu/TO. Foto: Antônio Apinajé O Cerrado é um território tradicional, definido por Barbosa como um “Sistema Biogeográfico” bastante complexo. E nas palavras de Porto-Gonçalves, ele é um ecossistema extremamente original. Na sua formação, inclui a vegetação com campos naturais, savanas, veredas, varjões e florestas, integrados a uma variedade de solos, com predomínio do latossolo (terra de cor avermelhada), banhados por águas cristalinas superficiais, que são abastecidas pelos aquíferos Guarani, Urucuia e Bambuí, e é habitado por um conjunto de animais silvestres, representados pela beleza do lobo guará e pelos seus povos. QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU Foto: Yndara Vasques (MIQCB, 2020). As quebradeiras de coco babaçu se constituíram enquanto identidade tradicional a partir da relação-convivência com os babaçuais. Por isso, para elas não é possível sua existência sem as “florestas de babaçu, sem nossa Mãe Palmeira”. Para estas mulheres, sua (re)existência garante as florestas em pé.

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 12 APANHADORAS E APANHADORES DE FLORES SEMPREVIVAS Apanhadoras de flores sempre-vivas. (Assessoria de comunicação Terra de Direitos, 2019). Foto: Codecex. São povos tradicionais que vivem na região da Serra do Espinhaço (MG/BA), e têm como principal atividade de geração de renda a tradicional panha das flores sempre-vivas, que representa a reprodução sociocultural da identidade desse povo. POVOS INDÍGENAS DO CERRADO Considerando os dados do CIMI, existem aproximadamente 156 territórios indígenas no Cerrado contínuo e 180 nas áreas de transição, totalizando 338 territórios. Entre eles estão os povo Xacriabá, Krahô, Guarani Kaiowa, Xerente, Akroa Gamella etc. (TPP, 2022). Foto: Edson Prudêncio Foto: Guilherme / CIMI

CERRADO 13 QUILOMBOLAS Foto: Leandro dos Santos, comunicador Popular Existem no Cerrado e nas suas áreas de transição mais de 1.200 territórios quilombolas, como o dos Kalungas, dos Jalapoeiros etc. FUNDO E FECHO DE PASTO Foto: Gui Gomes / RB Os fecheiros são comunidades tradicionais que Vivem das atividades de criação de gado e cabra em áreas de uso comum, que são denominadas “fechos de pastos”, onde os animais se alimentam da vegetação nativa. Essas comunidades também possuem suas áreas de uso individual, denominadas de “fundo de pastos”, onde moram e cultivam alimentos (grãos, legumes e criação de animais de pequeno porte).

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 14 DESAFIOS E AMEAÇAS: AGROHIDRONEGÓCIO1 NO CERRADO Foto: Greenpeace 1 Ver Mendonça e Pelá (2010)

CERRADO 15 CERRADO ZONA DE SACRIFÍCIO PARA A EXPANSÃO DA SOJA A soja tem se tornado um negócio lucrativo e em crescimento. Nos últimos trinta anos, a produção brasileira de soja foi ampliada, saltando de mais de 23 mil toneladas (na safra 1992/1993) para 125 mil toneladas (na safra 2021/2022), alçando o país ao topo do ranking de produção e exportação mundial desta que é a commodity agroalimentar com maior volume de comercialização nos mercados internacionais. DESAFIOS E AMEAÇAS Fonte: Aguiar (2021).

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 16 DESAFIOS E/OU AMEAÇAS FALTA CONHECIMENTO E RECONHECIMENTO DO POTENCIAL ECOLÓGICO E CULTURAL DO CERRADO E SEUS POVOS No Chão do Cerrado, a vida é arrancada pelas empresas nacionais e internacionais do agrohidromineronegócio: a diversidade das plantas vira monocultivo de soja, eucalipto e cana-de-açúcar pelas ações desses senhores de guerra. Seus atos de destruição são encobertos e legitimados como “atividades produtivas”, “desenvolvimento” e “progresso”, suas armas químicas que envenenam ar, água e terra são chamadas de agrotóxico e vendidas em embalagens comerciais. Toda essa operação intrincada, concebida para ocultar, é autorizada e legalizada com frequência por projetos de lei aprovados nos parlamentos, onde parte de seus legisladores é financiada pelas corporações interessadas, quando não parte integrante dos “negócios” (TPP, 2022, p. 39). O Cerrado é definido como “savana” – e a savana é propositalmente tratada como bioma pobre, homogêneo e ordinário, passível de ser sujeitado, colonizado e devastado para dar lugar a pastos, monocultivos, mineração e infraestruturas. Com a construção de Brasília, entre o final dos anos 50 e início dos 60, uma capital federal inteiramente planejada por modernistas e imposta sobre a natureza, o avanço se acelerou enormemente. Grandes empreiteiras se formaram ou cresceram nesse contexto, passando a construir as estradas que arrebentaram o Cerrado (TPP, 2022, p. 41).

CERRADO 17 Foto: Andressa Zumpano

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 18 Foto: Thomas Bauer PROCESSO ACELERADO DE DEVASTAÇÃO E CONTAMINAÇÃO A destinação de extensões cada vez maiores de terra ao cultivo de soja, em especial no Cerrado e em sua zonas de transição, colocou o Brasil no topo do ranking de produção e exportação dessa commodity. Mas apesar da soja ter sido o principal fator de monocultura do Cerrado, outros monocultivos também a ela se somaram, como é o caso do eucalipto, com alto consumo de água e contaminação por agrotóxico; cana-de-açúcar, com alta incidência de trabalho escravo; o algodão e o arroz, muitos deles com projetos irrigados e contaminação das águas (TPP, 2022. p. 57).

CERRADO 19 FINANCIADORES DA DEVASTAÇÃO Entre as diversas modalidades de financiadores da devastação no Cerrado, estão os fundos de pensão estrangeiros: Fundo de pensão TIAA-CREF (Teachers Insurance and Annuity Association of America – College Retirement Equities Fund) e a fundação universitária da Universidade de Harvard (Harvard Management Co.), ambos de origem nos Estados Unidos, o Brookfield Asset Management (fundo de investimento canadense presente há cerca de 120 anos no Brasil), a Cresud (Argentina), SLC LandCo e Genagro (Reino Unido) e a Agrinvest Brasil, subsidiária do Ridgefield Capital, também com sede nos EUA, entre outros.

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 20 CAMPANHA NACIONAL EM DEFESA DO CERRADO É uma rede formada por 56 organizações, movimentos e pastorais sociais. A Campanha foi criada em 2016 com o objetivo de fortalecer a luta pela defesa do Cerrado e dos territórios tradicionais. Entre as diversas ações de luta da Campanha, está a realização da sessão especial do Tribunal Permanente dos Povos e Territórios do Cerrado (TPP), ocorrido entre 2021 e 2022, onde foram condenados o Estado Brasileiro, estados internacionais e as empresas privada pelo crime de ecogenocídio contra o Cerrado e seus povos. Outra ação é a mobilização em torno da aprovação da PEC 504/2010, que propõe reconhecer constitucionalmente o Cerrado e a Caatinga como Patrimônios Nacionais. No seu caminhar, a Campanha vem fortalecendo a luta das mulheres do Cerrado através da Articulação de Mulheres do Cerrado, que envolve quebradeiras de coco babaçu, indígenas, retireiras do Araguaia, Apanhadoras de Flores Sempre-Vivas, camponesas, Assentadas etc. BOAS PRÁTICAS

CERRADO 21 Mais informações: https://www.campanhacerrado.org.br/ CAMPANHA SALVE UMA NASCENTE A Campanha Salve Uma Nascente é uma iniciativa da CPT/Articulação do Cerrado construída em conjunto com as comunidades, lançada em 2021 com a meta de arrecadação de recursos para apoiar a recuperação de cinco nascentes na região do Cerrado. Através do financiamento coletivo, foram arrecadados mais de 75 mil reais, destinados à recuperação de nascentes nos estados do Maranhão, Mato Grosso do Sul, Goiás, Mato Grosso e Piauí. Como guardiãs da sociobiodiversidade do Cerrado, as comunidades compreendem o significado das águas para suas vidas e manutenção do planeta. Por isso, somado a essas boas práticas de recuperação de nascentes, são produzidas mudas nativas para o reflorestamento das áreas degradadas, e também a proteção das sementes crioulas. Como disse o poeta Mario Quintana, “Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos?”

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 22 EXPERIÊNCIA DE RECUPERAÇÃO DE NASCENTE NA COMUNIDADE POÇO AZUL, EM PEIXOTO DE AZEVEDO/ MT A comunidade Poço Azul seguiu os seguintes passos para a recuperação das nascentes: em 2022, ocorreram as primeiras atividades na comunidade, onde foi realizado o mapeamento das nascentes a serem recuperadas: mediu-se a área a ser cercada e foi elaborada a lista de materiais necessários para a recuperação; na sequência foram articulados os mutirões, realizados nos finais de semana para possibilitar a participação das comunidades do campo e da cidade. Os mutirões são momentos de trabalho, reunião do povo, fortalecimento da fé e celebração das águas. SEMENTES CRIOULAS Em 2018/2019, foi realizado o Encontro de Mulheres Camponesas do Bolsão – MS, com o objetivo de contribuir no processo pioneiro de resgatar a diversidade de sementes crioulas e protagonizar as mulheres como guardiãs das sementes, resgatando e multiplicando essa ideia, lembrando que foram elas as primeiras a domesticar as sementes, há mais de dez mil anos. Sementes crioulas são as que nossos antepassados já plantavam, nossos bisavós, nossos avós e pais. São sementes que foram passando de geração a geração e chegaram até nós. São sementes que foram sendo adaptadas ao solo e clima do lugar, selecionadas em comunhão com a natureza. São também chamadas de “domésticas” ou “sementes do amor”, dependendo da região. Você colhe a semente e separa as melhores para guardar e plantar na safra seguinte. São diferente das sementes chamadas sementes “selecionadas” ou “certificadas” - essas são sementes modificadas geneticamente pela mão do homem. As sementes crioulas não. Os guardiões e guardiãs das sementes crioulas são aqueles agricultores e agricultoras que cultivam, produzem e guardam as sementes. São pessoas que amam a natureza e respeitam seu tempo de plantar. Como guardar as sementes crioulas ? Guardar em vasilhas que fecham bem, que é para não carunchar e não serem atacadas por insetos. A garrafa pet é uma boa vasilha! Pode-se colocar cinza ou pimenta junto, para proteger melhor as sementes (Cartilha das sementes crioulas, NEA/Bolsão – UFMS, 2020).

CERRADO 23 ARTICULAÇÃO MULHERES DO CERRADO

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 24 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES O Cerrado já perdeu cerca de 52% da cobertura vegetal nativa e diversos pesquisadores têm alertado para o risco que a perda da vegetação pode ter sobre os recursos hídricos do país, É no Cerrado que nascem as principais bacias hidrográficas que alimentam os maiores rios do Brasil Segundo dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), entre janeiro e maio de 2023 já foram desmatados mais de 3.320 km2 do Bioma, um aumento de 27% em relação ao mesmo período do ano passado. Para comparação, esse território desmatado nos primeiros cinco meses de 2023 equivale a quase duas vezes a área total da cidade de São Paulo. O monitoramento dos últimos anos vem apontando para uma predominância do desmatamento do Cerrado na região conhecida como MATOPIBA, que engloba partes dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Em 2021, segundo levantamento feito pelo MapBiomas, a região por onde vai se expandindo o agronegócio respondeu por 72,5% do desmatamento do Cerrado. Essa realidade de devastação do Cerrado vem sendo denunciada, mas é necessário maior engajamento em defesa dos povos da Terra, das águas, campos e florestas, respeitando a sociobiodiversidade, que é fundamental para a continuidade da vida. É urgente pensar ações de conservação e recuperação do Cerrado em conjunto com os outros biomas, pois somos interligados, em conexão, codependentes uns dos outros.

CERRADO 25 1. O Cerrado está sendo colocado pelo Estado brasileiro como zona de sacrifício, pois apenas 8% do seu território tem proteção integral ou uso sustentável. O que podemos fazer para defender o Cerrado? Uma boa forma, entre outras, de você contribuir com a defesa do Cerrado é se juntar à Campanha pela aprovação da PEC 504/2010. 2. A degradação das nascentes, a diminuição das águas, o desmatamento acelerado, são alguns dos graves problemas existentes no Cerrado. Você conhece algum caso parecido na sua comunidade ou município? E como isso acontece? 3. E nós, como estamos nos comportando em relação ao cuidado com nossas águas, com as florestas e o meio ambiente como um todo? E como estamos nos mobilizando para coibir as práticas que devastam e destroem o Cerrado? COMPROMISSOS COM O CERRADO • Fortalecer a articulação para aprovação da PEC 504/2010, que reconhece o Cerrado e a Caatinga como patrimônios nacionais. • Denunciar os casos de destruição e ameaças contra os direitos territoriais dos povos e comunidades tradicionais do Cerrado. • Apoiar a luta dos povos e comunidades tradicionais e camponesas, assumindo o compromisso de defender o futuro das nossas fontes de água, para que o Cerrado continue em pé. Os Cerrados só existem onde estão os povos e as comunidades tradicionais. VAMOS REFLETIR COMECE A FAZER A SUA PARTE HOJE!

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 26 INTERLIGAÇÃO COM OS DEMAIS BIOMAS EXISTE APENAS UMA CASA COMUM Deve-se cuidar dos biomas e das populações que neles vivem de forma harmoniosa e respeitosa, sobretudo as comunidades tradicionais que têm uma relação profunda e umbilical com eles, pois estão ali há gerações e são verdadeiros guardiões e guardiãs desse rico patrimônio histórico, social, cultural e biológico. O Bioma Cerrado tem uma conexão muito forte com os outros biomas, por ser o berço das águas que abriga os aquíferos Urucuia, Guarani e Bambuí, que abastecem rios como: São Francisco, Tocantins, Parnaíba e muitos outros; é no Cerrado que nascem as principais bacias hidrográficas do Continente e que alimentam o Pantanal. Tudo isso o torna imprescindível não só para a manutenção dos demais biomas, mas também para proporcionar qualidade de vida a todos os brasileiros. O Cerrado está no coração do Brasil e faz conexões com outros Biomas, e devido a isso, as relações ecológicas entre os Biomas vizinhos fazem que o Cerrado mantenha uma fauna e flora ricas em biodiversidade. Não podemos esquecer do papel que o Cerrado tem como elo entre os biomas brasileiros. Sua destruição trará consequências gravíssimas para todos os outros biomas e vice-versa. Por isso, precisamos que todos os biomas sejam protegidos e valorizados.

CERRADO 27 DICAS: FILMES, LIVROS, MÚSICAS E OUTRAS PRODUÇÕES ABUELA Grillo. Produção: The Animation Workshop en Viborg, Dinamarca; The Animation Workshop, Nicobis, Escorzo, y la Comunidad de Animadores Bolivianos. Música Principal: Luzmila Carpio. [S. l.], 2023. 1 vídeo (10 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v =YMM7vM7aiNI&t=4s. Acesso em: 16 mar. 2024. AGUIAR, Diana. Dossiê Crítico da Logística da Soja: em defesa de alternativas à cadeia monocultural. Rio de Janeiro: FASE, 2021. 45 p. AS MULHERES do Cerrado estão em pé em em luta, em defesa da vida e dos territórios, ep. 1. Realização: Articulação de Mulheres do Cerrado; Campanha Nacional em Defesa do Cerrado; Agro é Fogo. Roteiro: Cristiane Fausino, Livia de Paiva. Coordenação e revisão: Mariana Pontes; Valéria Pereita Santos; Amanda Costa. [S. l.], 2023. 1 vídeo (5 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JTQQ jborcIA. Acesso em: 16 mar. 2024. ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO TERRA DE DIREITOS. Protocolo de Consulta Protocolo Comunitário de Consulta Prévia Apanhadoras e Apanhadores de Flores Sempre Vivas. Terra de Direitos, Curitiba, 10 jun. 2019. Disponível em: https://terradedireitos.org.br/uploads/arquivos/WEB_TDD_PROTOCOLO-apanhadoras.pdf. Acesso em: 16 mar. 2024. BRASIL. Câmara dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição n.º 504/2010. Altera o § 4º do art. 225 da Constituição Federal, para incluir o Cerrado e a Caatinga entre os biomas considerados patrimônio nacional. Autor: Deputado Demóstenes Torres (DEM-GO). Brasília: Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: https://www.camara.leg.br/ propostas-legislativas/483817. Acesso em: 16 mar. 2024. CAMPANHA Nacional em Defesa do Cerrado. Biblioteca, 2023. Disponível em: https://www.cam panhacer rado.org.br/ biblioteca. Acesso em: 16 mar. 2024. MENDONÇA, Marcelo Rodrigues; PELÁ, Márcia. Cerrado Goiano: encruzilhada de tempos e territórios em disputa. In: MENDONÇA, Marcelo Rodrigues; PELÁ, Márcia. Cerrados: perspectivas e olhares. Goiânia: Vieira, 2010. p. 51-69. MOVIMENTO INTERESTADUAL DE QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU (MIQCB). Sobre nós. MIQCB, São Luís/MA, 2020. Disponível em: https://www.miqcb.org/sobre-nos. Acesso em: 16 mar. 2024. NÚCLEO DE AGROECOLOGIA NEA/BOLSÃO-MS (NEA). Cartilha das Sementes Crioulas do Bolsão-MS. Três Lagoas: UFMS, 2020. SERTÃO Serrado. Direção: Dagmar Talga. Produção: Coordenação da Articulação das CPT´s do Cerrado et al. Realização: Comissão Pastoral da Terra – CPT e Essá Filmes. Documentário. [S. l.], 2016. 1 vídeo (40 min). Disponível em: https://youtu. be/Ap16SrtWDdE. Acesso em: 16 mar. 2024.

COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 28 TRIBUNAL PERMANENTE DOS POVOS (TPP). Tribunal Permanente dos Povos em Defesa dos Territórios do Cerrado, São Paulo, 2022. Disponível em: https://tribunaldocerrado.org.br/. VIEIRA, D. L. M. et al. (org.). Agricultores que cultivam árvores no Cerrado. Brasília: WWF Brasil, 2014. Disponível em: https:// ispn.org.br/site/wp-con tent/uploads/2018/10/AgricultoresQueCulti vamArvoresNoCerrado.pdf. Acesso em: 16 mar. 2024.

CERRADO 29 Vamos exigir que o Cerrado, a Caatinga e o Pampa também sejam considerados patrimônios nacionais.

CASA LEIRIA Rua do Parque, 470 São Leopoldo-RS Brasil casaleiria@casaleiria.com.br

APOIO REALIZAÇÃO Esta publicação foi possível graças ao apoio da Fundação Tinker

BIOMAS E CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL É absolutamente necessário usar o plural para expressar a realidade brasileira: existem sete biomas, e neles existem corredores bioculturais que interligam uns aos outros em uma imensa teia da vida, desenhando um rico mosaico marcado pela diversidade e a complementaridade. É um equívoco antropocêntrico afirmar que estes territórios geradores de tanta vida teriam origem apenas com a emergência da espécie humana. Tudo isso aconteceu bem antes da presença humana, de modo especial muito antes da presença de colonizadores europeus. Ao procurarmos conhecer nossa presença nos biomas, precisamos partir de um profundo agradecimento à generosidade da Terra que oportuniza todas as condições para que a vida floresça. Mas também devemos recordar que a humanidade é apenas uma pequena fração de abundância de vida gerada pela Natureza. Como destacamos nos sete volumes desta Coleção, em todos os biomas e seus corredores bioculturais estão sendo travados enfrentamentos entre aqueles que vivem em harmonia com a Natureza, contra aqueles que percebem a Natureza apenas como recursos a serem explorados para servir ao sistema econômico e a fome gananciosa dos poderosos. Estamos percebendo que este sistema está levando a Terra ao esgotamento, afetando diretamente não apenas a vida humana, mas todas as formas de vida, em todos os biomas. Enchentes, secas extremas, recordes de calor, profunda perda histórica das coberturas vegetais nativas, aumento exponencial da lista de animas ameaçados de extinção, são apenas alguns dos exemplos de que o modo de vida hegemônico está adoecendo todo o Sistema-Terra. A interligação entre os biomas pelos corredores bioculturais é o que mantem em renovação constante a vida na Mãe Terra. Tudo está interligado em uma profunda Ecologia Integral. Por isso, o objetivo central dessa publicação é a valorização das práticas populares que cuidam da vida das pessoas e de toda a comunidade de vida da Mãe Terra. Tais práticas representam formas diferenciadas de viver e se relacionar com a Natureza e quando necessário traçam estratégias para denunciar, enfrentar e proteger a vida nos biomas. A Coleção Corredores Bioculturais do Brasil é uma iniciativa do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA) e do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS), apoiados por dezenas de organizações, coletivos e lideranças que ilustram neste material os principais desafios e as principais estratégias de defesa e promoção da vida, em cada bioma. Luiz Felipe Lacerda Ivo Poletto Casa Leiria

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