COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL SISTEMA COSTEIRO MARINHO
Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA) Provincial da Província dos Jesuítas do Brasil Pe. Mieczyslaw Smyda, S. J. Secretário para Promoção da Justiça Socioambiental da Província dos Jesuítas do Brasil e Diretor do OLMA Pe. Jean Fábio Santana, S. J. Secretário Executivo Luiz Felipe Barboza Lacerda O Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS) é uma articulação de Entidades, Pastorais e Movimentos Sociais que atuam em rede para gerar consciência crítica e enfrentamento em relação a tudo que causa o aquecimento da Terra e vai tornando mais perigosas as mudanças climáticas, de modo especial para os povos, comunidades e pessoas que as sociedades capitalistas jogam na marginalização e na miséria. Atua em âmbito nacional e se faz presente nos biomas e territórios por meio das suas 36 entidades membros e de outras entidades parceiras, promovendo a convivência com cada bioma e ecossistema por meio de práticas que anunciam e vão construindo sociedades de Bem Viver. Conselho Pastoral dos Pescadores
Andréa Rocha do Espírito Santo Gilberto Lima Luciano Galeno Luzineide Fonseca (Organizadores) Casa Leiria São Leopoldo - RS 2024 Sistema Costeiro Marinho Coleção Corredores Bioculturais do Brasil
Corredores Bioculturais do Brasil Sistema Costeiro Marinho Textos: Andréa Rocha do Espírito Santo (CPP Nacional), Gilberto Lima (CPP Maranhão), Luciano Galeno (CPP Piauí) e Luzineide Fonseca (CPP Espírito Santo). Diagramação/Ilustrações: Marcos Souza. Foto da capa: Ueldel Galter. © Direitos reservados Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA) Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS) Ficha catalográfica Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB: 10/973 É proibida a reprodução total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio, sem a permissão escrita do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida, do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental e dos coordenadores do Projeto. S623 Sistema costeiro marinho [recurso eletrônico]. / organização André Rocha do Espírito Santo…[et. al.]. São Leopoldo: Casa Leiria, 2024. (Coleção Corredores Bioculturais do Brasil). Disponível em: <http://www. casaleiriaacervo.com.br/ corredoresbioculturais/sistemacosteiromarinho/index.html> Direitos reservados: Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA); Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS). ISBN 978-85-9509-129-0 1. Ecologia integral – Biodiversidade – Brasil. 2. Biodiversidade – Brasil – Sistema costeiro marinho. 3. Sistema costeiro marinho – Brasil – Corredores Bioculturais. 4. Sistema costeiro marinho – Brasil – Desafios e ameaças. 5. Sistema costeiro marinho – Brasil – Boas práticas. I. Espírito Santo, André Rocha do (Org.). CDU 261.9:574(81) DOI: https://doi.org/10.29327/5406913
Sumário 06 Saudades do meu lugar 07 Apresentação 13 Desafios e ameaças 17 Boas práticas 27 Vamos refletir 28 Interligação com os demais biomas Foto: Thomas Bauer
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 6 Hoje eu acordei e não vi o meu lugar. Hoje eu não vi a minha fonte preferida. Não vi meus caminhos, meus campos. Não vi meus pés de mangabeiras floridas. Não vi o meu barco no mar. Não vi o mangue. Não vi a praia. Não vi minha rede de pescar. Hoje eu não toquei os meus pés nas águas sagradas de Iemanjá. Não ouvi os cantos dos pássaros pretos, nem ouvi os assovios dos sabiás. Apenas como de costume, saudei os meus ancestrais. Hoje eu não senti a brisa do litoral. Hoje eu não vi a árvore Olandí. Não vi sequer um siri. Hoje eu não vi as minhas plantas no quintal. Longe do meu lugar tem muitas pessoas envelhecidas, muitos gritos, muitas luzes, muita gente enraivecida. Muitas pessoas que chegam, outras tantas de partida, muitas sem nem saber, outras tantas despercebidas. Ôh! Saudades de minha bela querida Raimundo Siri Pescador artesanal da comunidade de Cova da Onça Ilha de Boipeba, Bahia SAUDADES DO MEU LUGAR
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 7 Esta cartilha faz parte da Coleção Corredores Bioculturais do Brasil que tem o objetivo de trazer informações sobre as características, potencialidades, ameaças, desafios e boas práticas dos sete biomas brasileiros. A presente cartilha é sobre o nosso Sistema Costeiro Marinho. Trazemos informações que vão contribuir para aumentar o conhecimento sobre esse ambiente para que, a partir dessas informações, mais pessoas, grupos, organizações e a sociedade em geral possam se engajar na sua proteção e defesa. Isto se torna necessário diante das graves ameaças de destruição da biodiversidade e da nossa cultura. Estas ameaças vêm dos grandes projetos de desenvolvimento econômico que empresas e governos estão realizando ou pretendem desenvolver em nosso país. A cartilha está dividida em quatro partes principais: • a primeira parte apresenta as características do sistema costeiro e marinho, sua biodiversidade, extensão e importância; • a segunda parte traz a sua situação de ameaças e riscos frente ao modelo neodesenvolvimentista que avança nesses territórios causando degradação ambiental e afetando a vida das populações e, de forma especial, dos povos e comunidades tradicionais; • a terceira parte traz algumas experiências de boas práticas que conciliam a relação de proteção do meio ambiente com a manutenção do modo de vida dos povos e comunidades tradicionais do sistema costeiro marinho; • a quarta parte, traz uma proposta de atividades com o objetivo de provocar a continuidade da reflexão sobre o Sistema Costeiro Marinho e sua relação com os demais biomas. Desejamos que ondas de resistência e engajamento alcancem nossos leitores e leitoras e, como o balanço das marés, possam favorecer a luta pela sustentabilidade dos nossos biomas e a manutenção da vida humana no planeta. Boa leitura! APRESENTAÇÃO
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 8 CONTEXTUALIZANDO O conceito de Corredores Bioculturais está baseado na interconexão e interdependência entre os ecossistemas existentes e propõe a recuperação de seus papéis orgânicos e culturais originários para restabelecer e preservar os habitats degradados e manter o equilíbrio ecológico. Nessa concepção, a relação entre os ecossistemas e os povos e comunidades tradicionais é reconhecida e estimulada.
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 9 SISTEMA COSTEIRO MARINHO O encontro dos biomas continentais com os oceanos resulta no Sistema Costeiro Marinho. Esse encontro possibilita a ocorrência de uma rica e complexa biodiversidade que garante a vida humana em todo seu curso. O nosso Sistema Costeiro Marinho é a uma parte territorial do país que se estende por mais de 8.500 km, na sua porção terrestre, incluindo dezessete estados e mais de quatrocentos municípios, distribuídos do Norte ao Sul do país. Considerado a parte marítima, a área tem cerca de 4,5 milhões de km², o equivalente a mais da metade do território terrestre do Brasil. O Sistema Costeiro Marinho possui uma região litorânea de transição entre ecossistemas marinhos e continentais, e no Brasil essa área é muito longa e se divide em: • Litoral amazônico: dispõe de grandes manguezais, dunas e praias. Possui rica biodiversidade em espécies de crustáceos, peixes e aves; • Litoral nordestino: é marcado pela ocorrência de recifes, dunas, manguezais, restingas e matas; • Litoral sudeste: destaca-se pela existência de várias baías e pequenas enseadas. Possui recifes e praias e especialmente a mata de restinga; • Litoral sul: é formado por muitos manguezais e tem grande variedade de aves.
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 10 ECOSSISTEMAS COSTEIROS E SUA IMPORTÂNCIA Manguezais, restingas, dunas, praias, ilhas, costões rochosos, baías, brejos e recifes de corais, entre outros, formam os ecossistemas costeiros e marinhos. Um dos principais destaques é a grande quantidade de espécies de crustáceos, moluscos e peixes. Ecossistema manguezal Os manguezais têm importância ambiental muito valorosa para a manutenção da vida marinha, especialmente por possibilitar a transformação de nutrientes em matéria orgânica, gerando vida, alimento, proteção e inúmeros serviços ao meio ambiente. Esse ecossistema apresenta alta produtividade, são considerados como berçários naturais para muitas espécies de moluscos, crustáceos, peixes, répteis e aves, garantindo o crescimento e sobrevivência desses organismos. Estudos recentes revelam que são os manguezais uma das vegetações que mais capta CO2 da atmosfera, sendo importantíssimos para regular o clima. Manguezais: berço sagrado da vida marinha e de mistérios ancestrais. Para as comunidades tradicionais pesqueiras, o manguezal não é apenas um lugar de onde se retira sustento, é uma espécie de lugar sagrado que tem um valor simbólico muito forte. ExisManguezais Fotos: arquivo CPP
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 11 te uma consciência ecológica resultante de valores ancestrais de matriz africana e indígena. Costões rochosos: Os costões rochosos são classificados como um dos mais importantes habitats costeiros por conter uma alta riqueza de espécies de grande importância ecológica e econômica. Neles são encontradas muitas espécies de moluscos, crustáceos e grande variedade de peixes. Estão localizados em rochas a beira mar e existem por quase todo o litoral brasileiro, do Maranhão ao Rio Grande do Sul. Dunas: As dunas são elevações formadas pelo acúmulo de areia transportada pelo vento. Elas aparecem em áreas com grandes faixas de areia seca e ajudam no equilíbrio do ambiente mantendo a largura da faixa de praia e colaborando na manutenção dos bancos de areia submersos. Protegem o lençol freático (água doce subterrânea) da salinização, mantendo o equilíbrio subterrâneo natural existente entre a água salgada do mar e a água doce do continente. São excelentes reservatórios de água, devido à alta porosidade desses depósitos arenosos. Restingas: É um ecossistema parecido com as dumas, mas de maior extensão. Sua vegetação exerce importantíssimo papel como fixadoras de dunas, formando uma barreira para o avanço do mar, para a erosão das praias e contenção do avanço das dunas, e são essenciais para conter os efeitos das mudanças climáticas. Possui variadas espécies da flora que têm valor medicinal e na alimentação humana. Costões rochosos Foto: Nilson Nery Restingas Foto: Tarciso Leão Dunas Foto: arquivo CPP
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 12 O SISTEMA COSTEIRO MARINHO E SEUS POVOS Diversos povos e comunidades tradicionais se relacionam e vivem historicamente nos territórios do Sistema Costeiro Marinho: • Povos originários; • Comunidades Remanescestes de quilombo; • E as diversas identidades das comunidades tradicionais pesqueiras: pescadores e pescadoras artesanais, caiçaras, jangadeiros, marisqueiras. Esses povos e comunidades tradicionais vivem ao longo do litoral brasileiro e são, ao mesmo tempo, guardadas e guardiãs desses territórios: elas dependem dos ecossistemas costeiro e marinho para sua reprodução física e cultural. A busca diária pelos meios de vida se estabelece a partir de uma profunda e complexa afinidade entre esses povos e o ambiente, resultando na composição de um rico patrimônio ecológico e cultural. Fotos: João Zinclar Foto: arquivo OLMA
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 13 Com toda sua importância socioambiental e sua significativa contribuição para a vida no planeta, o Sistema Costeiro Marinho vem sofrendo graves ameaças que colocam em risco sua manutenção. O modelo de desenvolvimento em curso no Brasil tem incentivado a implantação de diversos empreendimentos econômicos no ambiente costeiro marinho, causando danos e impactos ambientais irreversíveis. A Economia Azul é um conceito utilizado para impulsionar a mercantilização do Sistema Costeiro Marinho. É uma tendência de compreender o mar como espaço de desenvolvimento e não como espaço de promoção da vida a ser cuidado e preservado, e ela se fortalece desde 2012 por influência de agentes internacionais. Foto: Thomas Bauer Foto: Marinelson Almeida Foto: Thomas Bauer Foto: Thomas Bauer Foto: CODEVASF DESAFIOS E AMEAÇAS
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 14 Elencamos os principais projetos econômicos que ameaçam o sistema costeiro marinho: • Hidronegócio/Agronegócio e Mineronegócio; • Energia: Energia eólica/parques eólicos/Barragem e hidrelétrica; • Obras de infraestrutura dos empreendimentos; • Desmatamento de florestas e manguezais; • Construção de portos/indústria naval; • Exploração de petróleo e gás; • Empreendimentos turísticos; • Esgoto industrial e Esgoto urbano; • Especulação imobiliária; • Latifúndio/Fazendas; • Pesca industrial e predatória; • Ocupação humana. ALGUNS CASOS DE AMEAÇAS AO SISTEMA COSTEIRO MARINHO Proposta de Emenda Constitucional PEC 03/2022 Essa PEC está tramitando no Congresso Nacional e pode viabilizar a privatização de “terrenos de marinha”, que incluem praias, ilhas, mangues, restingas, dunas, assim como margens de rios e lagoas que sofrem influência da maré. A PEC representa um enorme retrocesso em relação ao gerenciamento costeiro no país, aprofunda os efeitos da crise climática e ameaça a permanência de comunidades pesqueiras em seus territórios tradicionais Veja o caso de Boipeba: o órgão ambiental da Bahia licenciou, no início desse ano, um megaprojeto turístico-imobiliário que devastará a Ilha de Boipeba, que fica no Baixo Sul do estado. Esse empreendimento ameaça os ecossistemas, territórios tradicionais e defensores do meio ambiente. A licença de instalação inclui uma área similar à de 1.700 campos de futebol, com infraestrutura viária, aeródromo, pousadas, píer, 67 lotes residenciais e dois lotes para atividades sociais. Os pescadores artesanais da Ilha resistem e, junto com outras organizações, realizam mobilizações em defesa dos territórios tradicionais e da integridade do Sistema Costeiro Marinho. “Quem é rico mora na praia e quem trabalha não tem onde morar” (Dominguinhos e Fausto Nilo). Se a PEC 03/2022 for aprovada, inúmeros casos como o da Ilha de Boibepa serão agravados, potencializando os efeitos da crise climática, a expulsão dos pescadores e pescadoras artesanias de seus territórios tradicionais, e a população com menor renda não terá acesso às praias e aos outros ecossistemas costeiros.
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 15 CRIME DO PETRÓLEO - 2019 Em agosto de 2019 ocorreu o crime do derramamento de petróleo que afetou o litoral dos nove estados do Nordeste e mais dois do Sudeste (Espírito Santo e Rio de Janeiro), sendo a maior tragédia ambiental já ocorrida na história do Atlântico Sul, pelo tipo de material e pela extensão. Além de comprometer o ambiente marinho e a biodiversidade, afetou a vida dos pescadores e pescadoras artesanais, que encontram nas águas local de trabalho e manutenção do seu modo de vida, com o conjunto de relações simbólicas que os caracteriza. A TRAGÉDIA EM MARIANA (MG) - 2015 Em 5 de novembro de 2015 ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco, em Mariana (MG), o segundo maior desastre socioambiental do país no setor de mineração, com o lançamento de cerca de 45 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro no meio ambiente. Os poluentes ultrapassaram o rio Gualaxo do Norte, rio Doce até chegar ao litoral do Espírito Santo. A onda de rejeitos, composta principalmente por óxido de ferro e sílica, deixou um rastro de destruição até o litoral do Espírito Santo, percorrendo 663,2 km de cursos d’água. Fotos: arquivo CPP Foto: Méle Dornelas
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 16 OCUPAÇÃO HUMANA Outra grande ameaça é a ocupação humana, que ocorre de forma desordenada na zona costeira e ocasiona o seu desequilíbrio e destruição de habitats de diversas espécies, com consequências e impactos sempre negativos ao ambiente e a toda população, sobretudo aos pescadores e pescadoras artesanais. Emergência climática e seus efeitos Nos últimos anos pescadores e pescadoras artesanais têm relatado muitas alterações ambientais em seus territórios tradicionais. A relação cotidiana com as águas e suas margens, de onde são extraídos os meios de vida, possibilita a identificação imediata dos impactos causados pelo modelo desenvolvimentista, e suas consequências: alterações nos ventos; alterações nas marés; aumento ou diminuição das chuvas; diminuição da temperatura; extinção de espécies; espécies com desenvolvimento prejudicado; alteração na quantidade e no tamanho dos pescados; erosão; redução na variedade de espécies; salinização e dessalinização das águas; aumento do nível do mar. Alguns estudos confirmam a percepção e relatos dos pescadores e pescadoras e, nesse sentido, estão ocorrendo eventos extremos, como fortes chuvas e enchentes no Sul, Sudeste, Nordeste, e a seca Norte do país. Foto: Caroline Ferraz Foto: Mídia Ninja
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 17 Diante das ameaças de grandes empreendimentos, encontramos muitas iniciativas que pretendem conter a gula do sistema econômico que produz a degradação dos ecossistemas. Em seguida, apresentamos algumas experiências de boas práticas desenvolvidas na zona costeira, que também se relaciona com outros biomas. Essas experiências são frutos do trabalho de muitos: pescadores e pescadoras artesanais, agentes de pastoral, pesquisadores e ambientalistas que resistem e ousam lutar em favor manutenção da vida dos ecossistemas e dos povos. BOAS PRÁTICAS
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 18 CAMPANHA MAR DE LUTA: JUSTIÇA SOCIAL AOS POVOS DAS ÁGUAS ATINGIDOS PELO PETRÓLEO Uma iniciativa de movimentos de pescadores/as artesanais, organizações ambientalistas e que apoiam a luta por direitos humanos e direitos das comunidades tradicionais. A Campanha foi lançada em agosto de 2020, no contexto de ausência de respostas, reparação e justiça socioambiental aos pescadores/as artesanais atingidos. O Conselho Pastoral dos Pescadores, a Articulação Nacional dos Pescadores, os Movimentos de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil e o Coletivo Intervozes coordenam a Mar de Luta. Após quatro anos do crime, a campanha continua mobilizada e reivindica dos poderes públicos que implantem ações efetivas capazes de reparar os impactos que ainda permanecem no ambiente, na saúde e na sustentabilidade dos pescadores e pescadoras artesanais. O enfrentamento ao avanço da exploração de petróleo e a articulação de comunidades pesqueiras atingidas pela indústria petrolífera também são ações desenvolvidas pela campanha. A comunicação é um destaque da campanha: com conteúdo criativo, dinâmico, politizado e estético tem pautado os impactos e violações do crime do derramamento de petróleo de 2019 e problematizado a petrodependência diante da sustentabilidade do planeta. Principais objetivos da Mar de Luta: exigir do Estado respostas e reparação em relação à saúde, à renda, à poluição e à recuperação dos ecossistemas afetados; lutar contra a abertura de novos poços de petróleo; contribuir na construção da transição da matriz energética justa, inclusiva e popular. Foto: Henrique Cavalheiro
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 19 Fotos: Henrique Cavalheiro
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 20 TRIBUNAL POPULAR DA ECONOMIA DO MAR O Tribunal Popular da Economia do Mar é uma da ferramenta dos pescadores e pescadoras artesanais do mundo para o enfrentamento a mercantilização do mar que se configura no conceito de Economia Azul. No Brasil, o Tribunal Popular da Economia do Mar foi promovido pelo Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais do Brasil (MPP) e pelo Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP). O objetivo é denunciar empreendimentos que ocorrem no Sistema Costeiro Marinho e demais biomas do Brasil que colocam em risco o modo de vida das comunidades pesqueiras. Sua programação envolveu diversas atividades, entre elas: lançamento, durante o Grito da Pesca Artesanal/2021; formação de multiplicadores; oficinas locais e estaduais; audiências regionais (Norte, Nordeste e Sudeste); audiência final, ocorrida em novembro de 2022; apresentação da sentença. O Tribunal Popular da Economia do Mar tem como principais resultados: articulação e mobilização nacional na resistência à Economia Azul; visibilidade da situação de grave ameaça aos territórios das comunidades tradicionais pesqueiras pelo modelo de desenvolvimento; potencialização das estratégias de incidência na defesa dos territórios das comunidades tradicionais pesqueiras; criação do Tribunal Permanente dos Povos das Águas, espaço de denúncia emobilização permanente em defesa dos territórios e dos seus povos (Essa experiência é de âmbito nacional). Fotos: Thomas Bauer
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 21 ESPÍRITO SANTO – CAMPANHA PLANTAR PARA O BEM VIVER A Campanha Plantar para o Bem Viver é uma forma de se contrapor ao mineronegócio e plantar esperança diante das violações e destruição do crime da Samarco de 2015. A Campanha tem por objetivo o plantio de mudas de árvores nativas nas comunidades pesqueiras impactadas pelo rompimento da barragem de rejeitos de minério de Fundão, em Minas Gerais, das mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton, que atingiu toda bacia do Rio Doce, chegando ao litoral do Espírito Santo. Para realizar a etapa no Norte do Espírito Santo, o CPP contou com o apoio do MPP e parceria com o MST. Campo Grande, Povoação e em Jacaraípe, em Serra, foram as comunidades onde ocorreu o plantio.
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 22 PIAUÍ – GESTÃO DA PESCA DO JEQUI Boas práticas para conservação da pesca de camarão de água doce em Ilha Grande, PI. Desde o início da execução das ações, foram feitos encontros com os pescadores de jequis. Nestes encontros foram tratados os cuidados e necessidades para proteção e conservação dos camarões no Delta do Rio Parnaíba. Para isso, deve ser feito a troca dos jequis (apetrechos de pesca de camarão), principalmente os feitos de tambores de plásticos, pois não permitem que os camarões pequenos continuem livres, e vão poluindo os rios, pois frequentemente se soltam dos locais onde estão amarrados. Assim, vem sendo fortalecida a confecção tradicional dos jequis de talas de palmeiras. Além disso, foi concluída uma minuta de lei municipal que, sendo aprovada, irá garantir essa proteção e conservação desse recurso pesqueiro. A experiência tem a participação de pescadores e pescadoras da APA Delta do Parnaíba e do Conselho Pastoral dos Pescadores, em parceria com o Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS). Foto: arquivo CPP Foto: arquivo CPP
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 23 Foto: arquivo CPP
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 24 MARANHÃO – TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA E PROTEÇÃO DO BIOMA COSTEIRO O povoado Bar da Hora, situado em Barreirinhas, Maranhão, entre os povoados de Mandacaru e Atins, é um local onde a comunidade se dedica ativamente ao turismo de base comunitária. São oferecidos passeios ecológicos e serviços na deslumbrante região dos Lençóis Maranhenses: rio Preguiça, manguezais, foz do rio Preguiça, um ecossistema costeiro rico em biodiversidade e beleza natural. Em colaboração com o Departamento de Turismo e Hotelaria da Universidade Federal do Maranhão, foi lançada a ampliação do projeto “Turismo de Base Comunitária” (TBC), na perspectiva da agricultura familiar e pesca artesanal, nas comunidades do Bar da Hora, Mandacaru, Atins, Canto do Atins, Santo Inácio, Santo Inácio 2 e Ponta do Mangue/Barreirinhas, Lençóis Maranhenses. Este projeto tem como foco não apenas o turismo, mas também a preservação do bioma costeiro. Esta iniciativa conta com uma ampla parceria entre a UFMA, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade/Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses e várias associações comunitárias locais, incluindo a Associação dos Moradores e Pescadores do Bar da Hora, a Associação Comunitária do Mandacaru, o Clube de Mães de Mandacaru, a Associação Casa de Apoio de Santo Inácio 2 e outras organizações. O principal objetivo do projeto é implementar ações de Turismo Sustentável de Base Comunitária, em que as comunidades locais desempenham um papel fundamental. Estas comunidades não apenas gerenciam e empreendem no setor de turismo para obter renda, mas também colaboram ativamente na preservação do bioma costeiro. O TBC representa uma oportunidade para o fortalecimento da economia das comunidades envolvidas, e um compromisso significativo com a proteção e preservação do bioma costeiro. Ao unir turismo sustentável e conservação ambiental, esta iniciativa exemplifica como as comunidades locais podem ser agentes ativos na proteção do seu patrimônio natural enquanto garantem sua sustentabilidade econômica.
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 25
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 26 CONCLUSÃO O Sistema Costeiro Marinho, com toda sua biodiversidade e as relações dos povos e comunidades tradicionais que nele coexistem, é essencial para garantir o equilíbrio e a manutenção da vida no planeta. O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto, e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social. De fato, a degradação do meio ambiente e de toda sociedade afeta de modo especial os mais frágeis do planeta – denuncia o Papa Francisco. Os megaprojetos mobilizados pelo neoliberalismo econômico afetam intensamente os ecossistemas e a vida das pessoas, especialmente os povos originários e comunidades tradicionais. Torna-se cada vez mais necessária a proteção desse patrimônio ambiental, social e cultural para que toda humanidade seja beneficiada. Para isso é necessário a valorização e respeito ao modo de vida dos povos e comunidades tradicionais com sua consciência de interdependência e experiência ecológica do bem viver. Inspirados no movimento das marés, somos convocados a intensificar as lutas em defesa da biodiversidade, dos territórios tradicionais e de seus povos, conscientes de que o cuidado e a preservação dos biomas, do Sistema Costeiro Marinho deve ser uma tarefa de todos e todas.
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 27 VAMOS REFLETIR COMECE A FAZER A SUA PARTE HOJE! 1. Faça uma ilustração ou elabore uma poesia, um cordel sobre o que você considera mais interessante na parte que caracteriza o Sistema Costeiro Marinho. 2. O conceito de Economia Azul tem uma falsa narrativa de sustentabilidade, mas os projetos relacionados a ela têm ampliado a degradação, contribuindo para a emergência climática e ameaça o modo de vida dos povos e comunidades tradicionais localizadas no Sistema Costeiro Marinho. Na sua visão, como podemos construir narrativas que consigam comunicar os riscos e ameaças à manutenção deste bioma? 3. O que mais lhe chamou atenção na apresentação das Boas práticas? Conhece alguma experiência de boa prática que dialoga com as que foram apresentadas nessa cartilha, ou seja: experiências de cuidado e proteção do meio ambiente e dos povos e comunidades que nele vivem?
COLEÇÃO CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL 28 “Tudo está interligado”: a natureza e a sociedade que a habita, é o que nos adverte o Papa Francisco. Ele define ecologia com um significado mais profundo e apresenta o termo ecologia integral com sentido abrangente, incorporando as dimensões humanas e sociais. A ecologia integral propõe uma nova forma de entender a relação entre os seres do nosso planeta, a interdependência e interligação. E essa forma de se relacionar que a ecologia integral propõe é própria dos povos e comunidades tradicionais. A ideia dos corredores bioculturais busca restabelecer as conexões dos habitats presentes nos biomas e ecossistemas e as comunidades que neles vivem. Ecologia Integral e Corredores Bioculturais são concepções que conseguem traduzir a dimensão da interligação de todos as criaturas e da interdependência entre elas. Os Sete biomas brasileiros são interdependentes e precisam de políticas públicas e práticas de cuidado e preservação que considerem essa dimensão. O Sistema Costeiro Marinho interage com os outros seis biomas brasileiros. A maior parte do sistema costeiro marinho (42%) se relaciona com o Bioma Amazônia, e 25% com o Bioma Pampa, apesar da sua pequena área territorial total. O Bioma Mata Atlântica se conecta com 20% do sistema Costeiro Marinho, em que está a maior linha da costa marítima do país. INTERLIGAÇÃO COM OS DEMAIS BIOMAS
SISTEMA COSTEIRO MARINHO 29 A biodiversidade no Sistema Costeiro Marinho se enriquece na relação com as zonas de transição com biomas vizinhos, abrigando múltiplas formas de vida. O Sistema Costeiro Marinho ainda não é considerado um bioma em si, mas ele desempenha um papel crucial na interface entre os ecossistemas marinhos e continentais, sendo fundamental seu reconhecimento oficial para o fortalecimento de estratégias e construção de políticas de proteção que garantam a salvaguarda das múltiplas formas de vida e relações presentes nele. Isto se torna fundamental devido às graves ameaças de devastação da natureza e da cultura de seus povos. Os eventos extremos que estamos vivenciando no país (seca na Amazônia, enchentes no Sul, Sudeste e Nordeste) são consequência da exploração devastadora praticada pelos grandes empreendimentos econômicos fomentados por conglomerados financeiros nacionais e internacionais e pelo Estado. Nesse sentido, reafirmamos a importância da compreensão ecossistêmica e das práticas vivenciadas pelos povos e comunidades tradicionais. São eles que nos ensinam que tudo está interligado, que somos natureza, que o território é vivo e sagrado e sem ele não há vida humana no planeta Terra, que é a nossa casa comum.
DICAS: FILMES, LIVROS, MÚSICAS E OUTRAS PRODUÇÕES BARROS, Sávio; MEDEIROS, Alzira; GOMES, Erina Batista (org.). Relatório dos Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil: relatório 2021. 2. ed. Olinda: CPP, 2021. Disponível em: http://www.cppnacional.org.br/publicacao/relatório-dos-conflitos-socioambientais-e-violações-de-direitos-huma nos%C2%A0em%C2%A0comunidades. Acesso em: 19 mar. 2024. CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES (CPP). Biomas e populações tradicionais. O Leme – Informativo do Conselho Pastoral dos Pescadores, Olinda, jan./mar. 2017. Disponível em: https://www.cppnacional.org.br/o_leme/o-leme-biomas- e-populações-tradicionais. Acesso em: 19 mar. 2024. CONSELHO PASTORAL DOS PESCADORES (CPP). Manifesto Campanha Mar de Luta: Justiça Social aos Povos das Águas. CPP, Notas, cartas e manifestos, Olinda, 30 ago. 2020. Disponível em: https://cppnacional.org.br/publicacao/manifesto- campanha-mar-de-luta-justiça-social-aos-povos-das-águas. Acesso em: 19 mar. 2024. FRANCISCO, Papa. Carta Encíclica Laudato Si’: Sobre o Cuidado da Casa Comum. Brasília: CNBB, 2015. (Documentos Pontifícios, 22). HUMEDALES SIN FRONTERAS. Corredores bioculturais. Humedales sin Fronteras, Entre Ríos, [s.d.]. Disponível em: https://hume dalessinfronteras.org/pt-br/corredores-bioculturais/. Acesso em: 19 mar. 2024. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Biomas e Sistema Costeiro-Marinho do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2019. 1 mapa, color. Escala 1:250 000. Disponível em: https://ibge.gov.br/apps/biomas/#/home/mapa. Acesso em: 19 mar. 2024. MANUAL DA BIOLOGIA. Biomas Brasileiros: Bioma Costeiro. Manual da Biologia, 6 ago. 2020. Disponível em: https://www.ma nualdabiologia.com.br/2020/08/biomas-brasileiros-bioma-costeiro. Acesso em: 19 mar. 2024. MARTINS, Milene Moura. Biomas Costeiros. Suapesquisa.com, 13 fev. 2023. Disponível em: https://www.suapesquisa.com/ meio_ambiente/biomas_costeiros.htm. Acesso em: 19 mar. 2024. MORAES, Denise. Bioma Costeiro. Fiocruz/Invivo/Museu da Vida, Rio de Janeiro, 25 nov. 2021. Disponível em: http://www. invivo.fiocruz.br/biodiversidade/bioma-costeiro/. Acesso em: 19 mar. 2024. VICENTE, João Paulo; LOURENÇO, Keryma. Sétimo bioma brasileiro esconde tesouro de peixes, mamíferos, aves e algas. National Geografic, São Paulo, 8 jun. 2021. Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambien te/2021/06/setimo-bioma-brasileiro-esconde-tesouro-de-peixes-mamiferos-aves-e-algas. Acesso em: 19 mar. 2024.
APOIO REALIZAÇÃO Esta publicação foi possível graças ao apoio da Fundação Tinker
BIOMAS E CORREDORES BIOCULTURAIS DO BRASIL É absolutamente necessário usar o plural para expressar a realidade brasileira: existem sete biomas, e neles existem corredores bioculturais que interligam uns aos outros em uma imensa teia da vida, desenhando um rico mosaico marcado pela diversidade e a complementaridade. É um equívoco antropocêntrico afirmar que estes territórios geradores de tanta vida teriam origem apenas com a emergência da espécie humana. Tudo isso aconteceu bem antes da presença humana, de modo especial muito antes da presença de colonizadores europeus. Ao procurarmos conhecer nossa presença nos biomas, precisamos partir de um profundo agradecimento à generosidade da Terra que oportuniza todas as condições para que a vida floresça. Mas também devemos recordar que a humanidade é apenas uma pequena fração de abundância de vida gerada pela Natureza. Como destacamos nos sete volumes desta Coleção, em todos os biomas e seus corredores bioculturais estão sendo travados enfrentamentos entre aqueles que vivem em harmonia com a Natureza, contra aqueles que percebem a Natureza apenas como recursos a serem explorados para servir ao sistema econômico e a fome gananciosa dos poderosos. Estamos percebendo que este sistema está levando a Terra ao esgotamento, afetando diretamente não apenas a vida humana, mas todas as formas de vida, em todos os biomas. Enchentes, secas extremas, recordes de calor, profunda perda histórica das coberturas vegetais nativas, aumento exponencial da lista de animas ameaçados de extinção, são apenas alguns dos exemplos de que o modo de vida hegemônico está adoecendo todo o Sistema-Terra. A interligação entre os biomas pelos corredores bioculturais é o que mantem em renovação constante a vida na Mãe Terra. Tudo está interligado em uma profunda Ecologia Integral. Por isso, o objetivo central dessa publicação é a valorização das práticas populares que cuidam da vida das pessoas e de toda a comunidade de vida da Mãe Terra. Tais práticas representam formas diferenciadas de viver e se relacionar com a Natureza e quando necessário traçam estratégias para denunciar, enfrentar e proteger a vida nos biomas. A Coleção Corredores Bioculturais do Brasil é uma iniciativa do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA) e do Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental (FMCJS), apoiados por dezenas de organizações, coletivos e lideranças que ilustram neste material os principais desafios e as principais estratégias de defesa e promoção da vida, em cada bioma. Luiz Felipe Lacerda Ivo Poletto Casa Leiria
RkJQdWJsaXNoZXIy MjEzNzYz