A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia: contribuições para o MERCOSUL

Jamile Bergamaschine Mata Diz e Pedro Campos Araújo Corgozinho 26 À primeira vista, poderíamos pensar que o caso Hansen não tinha relação direta com a problemática do presente artigo, já que nenhum dos pontos tratados na fundamentação do acórdão remete aos direitos fundamentais, exceto, talvez, pela alegação de Hansen de que a presença da responsabilidade penal objetiva em apenas um dos então doze Estados-Membros prejudicaria a livre concorrência no âmbito do mercado comum.27 Porém, é nas conclusões do Advogado Geral28, apresentadas ao Tribunal em dezembro de 1989, que aparece a relação entre a responsabilidade penal objetiva e a proteção dos direitos fundamentais. O Advogado Geral analisou a existência de incompatibilidade entre a responsabilização penal sem culpa e os princípios gerais do direito comunitário – em especial as normas de direitos fundamentais e direitos humanos vigentes na Dinamarca – com a respectiva tradição constitucional comum dos Estados-Membros e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, da qual a Dinamarca é signatária. O princípio de direito fundamental em questão é a ideia de que não há pena sem culpa – nulla poena sine culpa. Quanto à tradição constitucional comum, o Advogado Geral admitiu que este princípio conhece algumas derrogações, mais especificamente, quatro Estados-Membros aceitam que, no domínio da proteção do meio ambiente, do meio de trabalho e do consumidor, um empregador ou uma empresa podem ser declarados penalmente responsáveis pelas infrações cometidas por seus empregados ou prepostos no âmbito da atividade profissional do empregador ainda que tais infrações não lhes sejam pessoalmente imputáveis. Tal se justificaria pela necessidade de uma proteção eficaz e pelo fato de favorecer uma política de prevenção, dentre outras razões. Portanto, não haveria, na tradição constitucional comum dos Estados-Membros, uma proibição absoluta a uma responsabilização penal objetiva.29 27 Alguns autores consideram a livre concorrência como um direito fundamental protegido pelo ordenamento europeu. De fato, esta interpretação se depreende dos próprios Tratados. Já no Tratado que cria a CECA, a proteção da concorrência é objeto dos artigos 3º, g, e 60º. Em seguida, no artigo 3º, i, do CEE. Já com o Tratado de Maastricht, as questões relativas a livre concorrência estão presentes do preâmbulo ao fim. Quando da tentativa de aprovação de umTratado Constitucional, a liberdade de concorrência chegou a figurar como um dos objetivos à União. Hoje, o Tratado de Lisboa a relegou a um Protocolo (nº 27), segundo o qual, “o mercado interno, tal como estabelecido no artigo 3.o do Tratado da União Europeia, inclui um sistema que assegura que a concorrência não seja falseada” (UNIÃO EUROPEIA (UE). Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (Versão consolidada) (Protocolo n.º 27). Lisboa, 13 dez. 2007. Jornal Oficial da União Europeia, n. C 326, p. 47-390, 26 out. 2012. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/ legal-content/PT/TXT /?uri=celex:12012E/TXT. Acesso em: 25 jul. 2024). No mais, não podemos perder de vista que um dos objetivos da construção europeia é justamente o estabelecimento de um mercado comum. 28 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA COMUNIDADE EUROPEIA (TJCE). Conclusões do Advogado Geral Walter Van Gerven, apresentadas em 5 de dezembro de 1989. Luxemburgo: TJCE, 5 dez. 1989. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX: 61988CC0326&qid =1512066762603&from=PT. Acesso em: 25 jul. 2024. 29 TJCE, Conclusões do Advogado Geral Walter Van Gerven,... op. cit.

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