A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia: contribuições para o MERCOSUL

Integrando a soberania de dados indígenas no MERCOSUL: possibilidades de diálogo com a União Europeia 313 O direito fundamental à proteção de dados pessoais deve ser considerado uma promessa, assim como a que foi feita pelo rei aos seus cavaleiros em 1215, na Magna Carta, de que eles não seriam presos ou torturados ilegalmente — “nem irão sobre ele nem enviarão sobre ele”. Esta promessa, o habeas corpus, deve ser renovada e transferida do corpo físico para o corpo eletrônico. A inviolabilidade da pessoa deve ser reconfirmada e reforçada na dimensão eletrônica, de acordo com a nova atenção dada ao respeito pelo corpo humano.7 Com isso, passou-se a analisar o papel da soberania e da propriedade na internet, e discutiu-se no âmbito acadêmico sobre a ideia de “anarquia cibernética”, considerando o espaço digital como um espaço “terra nullius”, sem proprietários.8 Contudo, logo se percebeu a necessidade e a conveniência de regular a conduta de indivíduos e empresas online, após surgirem complexos problemas no âmbito jurídico.9 Vários casos judiciais têm avaliado o alcance de regulamentos no âmbito digital, focando na soberania no contexto do compartilhamento de dados transfronteiriços. Por exemplo, em 2018, a Suprema Corte dos EUA examinou o conflito entre a Microsoft e o Departamento de Justiça (DOJ) a respeito do escopo territorial da Lei de Privacidade das Comunicações Eletrônicas dos EUA. A Microsoft foi solicitada a entregar dados de um usuário irlandês por meio de um mandado judicial, levantando questões sobre a aplicabilidade territorial da lei. Ou seja, questionou-se se a Microsoft deve fornecer ao governo federal dos EUA os dados, mesmo quando os registros de e-mail estão localizados fora do território americano.10 Em 2014, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) consolidou sua jurisprudência sobre o “direito ao esquecimento” no emblemático caso Google Spain versus Agencia Nacional de Protección de Datos e Mario Costeja González.11 A decisão judicial facultou aos cidadãos da UE o direito de solicitar aos mecanismos de busca a remoção de links que contêm informações pessoais exibidas nos resultados de buscas feitas por seus nomes. No entanto, a delimitação territorial desse direito permaneceu incerta até cinco anos após a decisão inicial, quando o Conseil d’État, o mais alto tri7 RODOTÀ, Stefano. Data protection as a fundamental right. In: GUTWIRTH, Serge et al. Reinventing data protection? Dordrecht: Springer Netherlands, p. 77-82, 2009. Em inglês original: “The fundamental right to personal data protection should be considered a promise just like the one made by the king to his knights in 1215, in the Magna Charta, that they would not be imprisoned or tortured illegally – “nor will go upon him nor send upon him.” This promise, the habeas corpus, should be renewed and shifted from the physical body to the electronic body. The inviolability of the person must be reconfirmed and reinforced in the electronic dimension, according to the new attention paid to the respect for the human body.” 8 GOLDSMITH, Jack; WU, Tim. Who Controls the Internet? Illusions of a Borderless World. Oxford: Oxford University Press, 2008. 9 CELESTE, Edoardo. Digital Sovereignty in the EU: Challenges and Future Perspectives. In: FABRINNI, Federico; CELESTE, Edoardo; QUINN, John. Data Protection Beyond Borders. New York: Bloomsbury Publishing, 2021. 10 United States vs. Microsoft Corp., 138 S. Ct. 1186 (2018) 11 Google Spain vs. APED, ECJ Case 131/12, 2014.

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