Integrando a soberania de dados indígenas no MERCOSUL: possibilidades de diálogo com a União Europeia 325 povo indígena per se, visto que o documento em nenhum momento cita especificamente tal parcela da população sul-americana, mas também ignora totalmente o papel do mundo digital e dos dados nacionais neste processo. Embora haja diferenças entre as tribos, os povos indígenas da América do Sul têm várias características e demandas em comum. Uma questão recorrente entre esses povos é o reconhecimento de seus territórios ancestrais. Desde a década de 1970, organizações indígenas em níveis local, nacional e internacional vêm lutando por demandas coletivas, visando principalmente a recuperação de seus territórios tradicionais. Legalmente, essas reivindicações podem ser condensadas em dois pontos cruciais: 1) o reconhecimento constitucional dos povos indígenas como entidades distintas dentro da Nação e; 2) a garantia de acesso aos recursos materiais e culturais que sustentam sua sobrevivência e desenvolvimento. Essencialmente, estas demandas complexas visam ressaltar a importância de reconhecer tanto a identidade histórica quanto a inclusão desses povos no contexto do Estado-Nação.52 É evidente que o MERCOSUL negligenciou significativamente as realidades e as demandas dos povos indígenas, um descaso refletido não apenas pela falta de órgãos especializados para tratar das questões desses grupos, mas também pela escassez de dados censitários e demográficos, além de informações detalhadas sobre essas comunidades nos países membros do bloco. Essa omissão aponta para uma invisibilização sistemática dessas populações dentro das políticas de integração regional.53 Uma governança de dados eficaz é crucial para reforçar os direitos dos povos indígenas no contexto do MERCOSUL. Com a implementação de políticas de dados que respeitem a soberania e a autodeterminação desses povos, é possível assegurar que suas informações culturais, linguísticas e territoriais sejam usadas de maneira ética e com o consentimento de suas comunidades. Isso incluiria a proteção contra a exploração comercial não autorizada e a distorção de seus saberes tradicionais, bem como o combate à marginalização dessas comunidades, proporcionando-lhes maiores oportunidades de participação nas decisões políticas que os afetam diretamente. A transparência e a responsabilidade na coleta e no uso de dados podem empoderar os povos indígenas, garantindo que suas contribuições para a biodiversidade e para a cultura regional sejam reconhecidas e valorizadas.54 Políticas de dados eficazes são fundamentais para a construção de um Estatuto da Cidadania mais robusto e inclusivo no MERCOSUL. Ao integrar dados detalhados e culturalmente relevantes nas políticas públicas, o MERCOSUL poderia abordar desigualdades e promover equidade de forma mais efetiva. Isso é especialmente pertinente em regiões com grandes populações indígenas, onde a inclusão de dados específicos pode orientar programas de saúde, educação e desenvolvimento econômico que respeitem as especificidades locais. Logo, a promoção da equidade e justiça 52 NICOLAO, Julieta; JUANEMA, Mara. ¿ Hacia una mayor visibilización de las demandas de los pueblos indígenas en el MERCOSUR? Densidades, n. 16, p. 61-82, 2014. 53 Ibidem. 54 RAINIE et al., op. cit., 2017; RODRIGUEZ-LONEBEAR, op. cit., 2016.
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