Jânia Saldanha 334 1. Introdução2 A história da proteção dos direitos humanos teve início no século XX com o surgimento de textos internacionais ao final da Segunda Guerra Mundial. Esses direitos, como afirma Hannah Arendt, não são resultado da geração espontânea. Ao contrário, foram sendo construídos pela engenhosidade humana ao longo do tempo. A Declaração Universal de Direitos Humanos é o grande emblema dos direitos humanos do século XX cujo nome, malgrado as acusações de ser fruto da hegemonia cultural do Ocidente, indica que essa pretensão de universalidade encontra na existência de valores comuns partilhados pela humanidade, assentados na consciência da finitude e do destino comum, seus principais fundamentos. A esfericidade da Terra e seu espaço limitado, como Kant apontou, condena a todos ao contato. Entretanto, a organização geopolítica do Planeta tanto conduz a fechamentos e a aberturas. Fechamentos ao nacional, ao patriotismo e à soberania solitária, como os movimentos de ultradireita hoje no fundo defendem, quanto movimentos em favor do cosmopolitismo e da hospitalidade sem fronteiras. Esses são dois fenômenos antagônicos que convocam à realização de uma governança ancorada nos direitos humanos. Fazem parte dessa organização geopolítica os processos regionais de integração cultural, econômica, política e social entre distintos Estados. O êxito de uns, será o êxito de todos enquanto reunidos em um grupo orientado por fins e valores comuns. A experiência tem mostrado que o tema dos direitos humanos nestes espaços integrados, é condição para a garantia da democracia e da emancipação humana derivada da redistribuição, do reconhecimento e da representação, para lembrar as lições de Axel Honneth, Martha Nussbaun, Nancy Fraser e outros. O que hoje é a União Europeia (UE), isto é, o resultado de uma história iniciada nos anos 50 do século passado, com a criação da então Comunidade Econômica do Carvão e do Aço (CECA) e que, nos anos seguintes, avançou para o modelo das Comunidades Econômicas Europeias (CEE), não abdicou do esforço em pavimentar um caminho construído não apenas para alcançar sucesso econômico, mas, também, para consolidar uma Europa comprometida com o pleno desenvolvimento do ser humano. A criação pelas instituições comunitárias de textos protetivos de direitos humanos é a representação desse trabalho que, entretanto, se eleva em meio a muitos desafios. A Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE)3 é um desses textos. Com natureza de soft law em sua primeira década, ela evolui para constituir-se em um texto hard law. Mesmo assim, não é uma existência tranquila em meio às infindáveis disputas, seja entre os interesses globais, regionais e nacionais, seja entre atores públicos e privados. A CDFUE constituiu um grande avanço da União Europeia, cuja aplicação e interpretação adequada deve servir para equilibrar a tensão entre as forças da economia voltadas à consolidação do mercado comum, e a proteção de direitos fundamentais 2 A autora agradece à Maria Eduarda Postingher e Alice Victoria Machado, bolsistas de Iniciação Científica, pela valiosa contribuição relativa aos arranjos formais e à pesquisa realizada. 3 No texto será também identificada como “Carta”.
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