Jânia Saldanha 336 linha do horizonte. Entretanto, o tema começou a dar seus primeiros sinais quando o Tribunal de Luxemburgo, nos anos 60 do século passado, erigiu o marco inicial de uma jurisprudência que se consolidou no tempo. Ao decidir matérias de interesse comunitário que lhe foram enviadas através do mecanismo do reenvio prejudicial, o Tribunal afirmou a primazia, o efeito direto e aplicação imediata do direito comunitário sobre as ordens nacionais.5 Essas decisões preocuparam certos Estados com relação ao impacto que elas teriam sobre a proteção dos valores constitucionais, ou seja, sobre o risco de retrocesso caso o direito comunitário fosse menos protetivo dos direitos fundamentais do que as Constituições. Assim, e colocando em questão a vinculação da ordem nacional aos leading cases da primazia e aplicação imediata, o Tribunal Constitucional alemão, no caso Solange I6, excepcionando a primazia do direito comunitário, firmou-se competente para revisar a legislação europeia, a fim de garantir-lhe compatibilidade com o direito constitucional. Mais tarde, o Tribunal de Luxemburgo afirmou que os direitos fundamentais estavam protegidos pelos princípios fundamentais do direito comunitário. Isso fez com que a Alemanha, em Solange II7, mudasse a decisão anterior, reconhecendo, que o Tribunal passou a garantir um nível de proteção aos direitos fundamentais em parâmetro similar ao previsto nas Constituições. De fato, a jurisprudência do Tribunal de Luxemburgo, ao menos até o início do Século XXI, conforme mais adiante será mencionado, construiu um regime protetivo dos direitos fundamentais derivados dos princípios gerais de direito comunitário e das tradições constitucionais dos Estados-Membros. Faltava, no entanto, um texto que apresentasse o rol desses direitos, com caráter vinculativo para a Comunidade, claro e acessível aos cidadãos. Assim, gestada ao longo de alguns anos, a proposta de adoção de uma Carta de Direitos Fundamentais foi apresentada ao Conselho Europeu de Colônia8, em 1999. Esse movimento aconteceu paralelamente à criação do 5 Caso Costa v. Enel, processo 6/64. Veja-se: SALDANHA, Jânia. Cooperação jurisdicional. Reenvio prejudicial. Um mecanismo de direito processual a serviço do direito comunitário. Perspectivas para sua adoção no MERCOSUL. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. 6 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE). Judgment of the Court of 17 December 1970. Internationale Handelsgesellschaft mbH v Einfuhr- und Vorratsstelle für Getreide und Futtermittel. Reference for a preliminary ruling: Verwaltungsgericht Frankfurt am Main – Germany (Case 11-70). Luxemburgo: TJUE, 17 dez. 1970. Disponível em: https://eur-lex.europa. eu/legal-content/EN/TXT/?uri=CELEX%3A61970CJ0011. Acesso em: 20 maio 2024 7 ANDRADE, Maria Eduarda. “Solange” doctrine – its development and relevance today. Maribor, Eslovênia: Faculdade de Direito da Universidade de Maribor, [s. d.]. Disponível em: https:// pf.um.si/site/assets/files/6238/andrade_solange_doctrine.pdf. Acesso em: 20 maio 2024. 8 PARLAMENTO EUROPEU. Carta de Direitos Fundamentais. Jornal Oficial das Comunidades Europeias, n. C 364, p. 1-17, 18 dez. 2000. Disponível em: https://www.europarl.euro pa.eu/RegData/etudes/fiches_techniques/2013/010106/04A_FT(2013)010106_PT.pdf. Acesso em: 20 abr. 2024.
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