A Carta de Direitos Fundamentais e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre trabalhadores migrantes deslocados 341 2.3.1 O Preâmbulo: direitos sob uma geometria variável O preâmbulo da CDFUE mobiliza vários critérios de fundamentalidade que servem para iluminar o seu conteúdo. A doutrina internacional dominante indica que embora destituído de obrigatoriedade, nessa parte dos textos internacionais há um tom de radical essencialidade. Francisco Rezek21 diz, com propriedade, que o preâmbulo, a exemplo daqueles das Constituições nacionais, representa um valioso apoio à “interpretação” do conteúdo dos tratados internacionais. Eles são, portanto, auxiliares chaves para esclarecer o sentido dos artigos e o objeto do documento internacional. De fato, os tribunais internacionais, com frequência, utilizam-se do preâmbulo para determinar o alcance do texto do tratado. No caso da CDFUE ela, comprovadamente, influencia as decisões do TJUE. Contudo, tal influência pode ser de geometria variável diante da composição plural do texto. Nesse sentido, ele remete a concepções valorativas, ao fazer referência aos povos da Europa unidos por valores comuns os quais, a propósito disso, estão descritos no artigo 2º do Tratado da União Europeia (TUE).22 O “bicefalismo” 23 dos direitos humanos na Europa, representado pela Carta de Direitos Fundamentais e pela Convenção Europeia de Direitos Humanos, indica que os tribunais de cada um dos sistemas interpretam diferentemente a natureza jurídica dos direitos fundamentais. Estrasburgo considera os direitos fundamentais como direito ao passo que Luxemburgo, diferentemente, os considera como valores. De fato, o preâmbulo, ao prever que a União Europeia a partir de seu patrimônio espiritual e moral, funda-se sobre valores indivisíveis e universais, deixa clara a fórmula valorativa que, ademais, retrata valores que estão inscritos em boa parte das Constituições de inúmeros dos Estados-Membros. Seriam os direitos fundamentais da Carta mais valorosos do que propriamente direitos subjetivos?24 O preâmbulo também remete à uma concepção material que combina com a proteção dos direitos prevista no artigo 2º do TUE. Esse é um fator de realização 21 REZEK, Francisco. Direito Internacional público: curso elementar. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 36-37. 22 Diz o artigo 2º: “A União funda-se nos valores do respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do Estado de direito e do respeito pelos direitos do Homem, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias. Estes valores são comuns aos Estados-Membros, numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, a não discriminação, a tolerância, a justiça, a solidariedade e a igualdade entre homens e mulheres.” UNIÃO EUROPEIA (UE). Tratado da União Europeia (versão consolidada). Maastricht, 7 fev. 1992. Jornal Oficial da União Europeia, n. C 202, p. 13-45, 7 jun. 2016. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri= cellar:9e8d52e1- 2c70-11e6-b497-01aa75ed71a1.0019.01/DOC_2&format=PDF. Acesso em: 2 jun. 2024. 23 BAILLEUX, Antoine. Droits de l’homme à l’est des Vosges, valeurs à l’ouest? Les récits judiciaires de l’Europe au prisme de l’article 52 de la Charte. Revue trimestrielle des droits de l’homme, v. 2018, n. 115, p. 583-592, 2018. 24 PAULET, op. cit., 2021, p. 7.
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