A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia: contribuições para o MERCOSUL

A Carta de Direitos Fundamentais e a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre trabalhadores migrantes deslocados 345 protegem os direitos fundamentais, as quais estão referidas no artigo 6º31 do Tratado sobre a União Europeia. 2.4 A fundamentalidade da Carta frente ao direito comunitário europeu O texto da Carta responde aos anseios de efetividade e judicialização dos direitos e garantias que consagra. Contudo, a leitura do texto mostra a existência de uma heterogeneidade normativa de dupla face: a) primeiro, ela diz respeito aos beneficiários dos direitos e liberdades e; b) segundo, a heterogeneidade está associada à judicialização desses mesmos direitos e garantias Quanto aos beneficiários, a linguagem da Carta apresenta quatro categorias: a) todas as pessoas; b) todos os cidadãos da União Europeia; c) pessoa singular ou coletiva com residência em um Estado-Membro; d) pessoas nacionais de terceiros países; e) trabalhadores. No que diz respeito aos direitos civis e políticos, como dignidade, liberdade, igualdade e justiça, a Carta usa a expressão “todas as pessoas”. Ela não apenas reproduz o individualismo relativo a tais direitos, quanto também confirma a posição que aos mesmos foi atribuída pela teoria do direito ao relacioná-los a direitos “de”, ou seja, que exigem respeito e, assim, uma atitude negativa dos Estados. Para outros direitos, como no capítulo da solidariedade, a Carta ora usa a expressão “trabalhadores” ou “todas as pessoas”. Já no capítulo da cidadania, a menção é aos “cidadãos da União”, “pessoa singular ou coletiva residente” ou “nacionais de terceiros países residentes legais”. Evidentemente, essa compartimentalização pode favorecer a distinções que existem na prática quanto ao efetivo gozo dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos e sociais. Esses últimos, por serem considerados direitos “a” prestações positivas dos Estados para sua concretização, por um lado, enfrentam o problema dos limites materiais desses últimos para implementá-los, na prática. E, por outro lado, são colocados em lugar secundário frente aos interesses econômicos do mercado europeu e, também, frente aos direitos civis e políticos. Essa é uma explicitação muito concisa de um tema não só vasto quanto complexo. Ainda assim, lembra-se que, mesmo que doutrinariamente já tenha sido reconhecida a inexistência de hierarquia entre as duas espécies de direitos e que eles são indivisíveis, o que se vê na prática das jurisdições regionais de direitos humanos, por exemplo, é que eles chegam muito lentamente até elas. Por isso, a divisão dos titulares dos direitos previstos na Carta reflete a dificuldade de acesso aos mesmos. Ela expressa a segunda heterogeneidade. Essa heterogeneidade diz respeito à geometria variável do acesso à justiça dos direitos previstos na Carta. Cassandra Paulet32 afirma que, na União Europeia, essa heterogeneidade normativa decorre justamente das controvérsias acerca da fundamentalidade de certos direitos como é o caso dos direitos sociais. Disso decorrem 31 UE, op. cit., 7 jun. 2016. 32 PAULET, op. cit., 2021, p. 11.

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