Jânia Saldanha 350 Em seguida uma outra decisão do Tribunal foi proferida no processo Rüffert39, em abril de 2008. Neste caso, a decisão foi ainda mais favorável ao mercado comum em desfavor dos direitos dos trabalhadores. O Tribunal considerou que o direito da UE impedia os Estados-Membros de exigir que, nos contratos públicos, os prestadores de serviços pagassem aos seus empregados a remuneração prevista na convenção coletiva em vigor no local de prestação do serviço. O argumento do Tribunal para justificar a negativa de uma maior proteção salarial buscada pelos trabalhadores foi no sentido de que a exigência de um nível de remuneração superior ao salário-mínimo aplicável ao abrigo da legislação nacional do Estado receptor não pode ser necessária para a proteção dos trabalhadores pois, caso contrário, o mesmo nível de salários seria necessário a nível nacional, ou seja, no Estado de origem dos trabalhadores. Quando estas três decisões foram proferidas, a CDFUE e a Carta Comunitária estavam em vigor ainda que, como mencionado, a primeira ainda não tivesse efeito obrigatório. Nas três decisões constata-se que houve restrição à livre circulação e à igualdade de condições de trabalho. Além disso, as decisões rejeitaram a aplicação de leis nacionais dos Estados receptores aplicáveis às empresas estrangeiras no que diz respeito a acordos coletivos e a ações coletivas, cuja proteção também está prevista na CDFUE, ao mesmo tempo em que restringiram as possibilidades de justificação de aplicação dessas medidas por motivos sociais. A doutrina europeia que se debruçou sobre essas decisões destacou que a jurisprudência do TJUE priorizou os interesses e a liberdade do mercado ao invés de ter dado concretude aos direitos sociais. Elas, de fato, produziram um desequilíbrio entre os interesses do mercado e os sociais. Sacha Garben40 fez uma leitura correta desses acontecimentos. Para esse autor, os casos Viking, Laval e Rüffer representaram uma viragem paradigmática na jurisprudência do Tribunal de Justiça. Segundo ele, os três casos, embora sendo mínimos quantitativamente, passaram a ser o padrão orientador para a fixação de todas as normas de remuneração dos contratos públicos na Europa, para todas as normas trabalhistas para a prestação temporária de serviços transfronteiriços que envolvem o deslocamento de trabalhadores e para todas as ações coletivas empreendidas contra o mercado. Eles causaram um desequilíbrio visível entre os interesses do mercado e os interesses relacionados aos direitos sociais, como é o direito do trabalho, estabelecendo, assim, um peso diferente entre um lado e outro e instaurando desigualdade salarial para trabalho igual, independentemente da nacionalidade dos trabalhadores. O uso que os atores econômicos fizeram desta jurisprudência sob os tribunais internos excitou doutrinas em favor de interesses de mercado. 39 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE). Acórdão do Tribunal de Justiça (Segunda Secção) de 3 de abril de 2008. Dirk Rüffert contra Land Niedersachsen(Processo C-346/06). Luxemburgo: TJUE, 3 abr. 2008. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal- content/PT/TXT/HTML/?uri=CELEX:62006CJ0346. Acesso em: 10 jun. 2024. 40 GARBEN, op. cit., 2020.
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