Democracia e cidadania no MERCOSUL entre o veneno e a cura: estruturas intergovernamentais e a autocontenção (ou falta de ousadia) como qualidade institucional 529 Nas democracias majoritárias, enquanto se pode observar maior eficiência no governo do Estado, também está o povo mais suscetível à adoção de normas que não necessariamente estejam de acordo com suas aspirações mais latentes, ou, em casos mais graves, que se contraponham ao interesse da coletividade ou que sejam contundentemente prejudiciais a setores minoritários, vencidos em votação. De outro lado, o modelo consensual comporta a necessidade de articulação entre forças políticas distintas, muito embora possa comprometer a velocidade e a eficiência da governança e dos avanços normativos e institucionais justamente em decorrência da necessidade de que todas as partes estejam de acordo, ou, no mínimo, não se oponham. Nesse diapasão, quando se abandonam as premissas ideias nas quais as democracias são engendradas para abordar o risco de erosão ou ruptura da ordem democrática, intrínseco à própria natureza de alteridade das democracias, emerge a necessidade de protegê-las e fortalecê-las, a fim de evitar que se desnaturem e se convertam em regimes antidemocráticos. Se o contrário da democracia é a ideia de tirania, que pode se manifestar desde o totalitarismo até a autocratização parcial ou gradual do regime, e se a democracia necessariamente deve comportar interesses e ideias contrapostos, como podem as democracias evitar que as disputas pelo controle do Estado terminem por minar aquelas características que tornam o regime democrático? A ideia de resiliência democrática7 surge, nas ciências sociais, como derivação do conceito das ciências naturais que descreve a capacidade de um material de retornar à condição original após sofrer pressão ou deformação elástica. Transposta para a psicologia organizacional, a ideia de resiliência aplicada à mente humana refere-se à capacidade de suportar e adaptar diante de adversidades. Assim, resiliência democrática refere-se à capacidade institucional dos Estados, frente às perturbações políticas sofridas pelo regime, de manter-se ou recuperar seu caráter democrático. Embora a ideia de resiliência democrática se aplique ao contexto interno dos Estados com maior facilidade, fato é que nem sempre a sua capacidade de resiliência democrática basta para manter uma mínima qualidade da democracia. Nestes casos, poderá caber ao direito internacional oferecer ferramentas jurídico-institucionais para a recuperação do regime político. O surgimento de um direito à democracia, nesse contexto, titularizado pelos povos e pelos Estados, embora tenha sido engendrado desde o surgimento da estrutura contemporânea do direito internacional, somente se cristalizou normativamente em 2001, com a aprovação da Carta Democrática Interamericana pela Assembleia Geral da OEA. Antes disso, no entanto, já existiam mecanismos jurídico-institucionais destinados à proteção e ao fortalecimento da democracia nos Estados latino-americanos de maneira tópica e incidental. 7 MERKEL, Wolfgang; LÜHRMANN, Anna. Resilience of democracies: responses to illiberal and authoritarian challenges. Democratization, v. 28, n. 5, p. 869-884, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13510347.2021.1928081. Acesso em: 14 ago. 2024.
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