Democracia e cidadania no MERCOSUL entre o veneno e a cura: estruturas intergovernamentais e a autocontenção (ou falta de ousadia) como qualidade institucional 533 Artigo 4: No caso de ruptura da ordem democrática em um Estado Parte do presente Protocolo, os demais Estados Partes promoverão as consultas pertinentes entre si e com o Estado afetado. Artigo 5: Quando as consultas mencionadas no artigo anterior resultarem infrutíferas, os demais Estados Partes do presente Protocolo, no âmbito específico dos Acordos de Integração vigentes entre eles, considerarão a natureza e o alcance das medidas a serem aplicadas, levando em conta a gravidade da situação existente. Tais medidas compreenderão desde a suspensão do direito de participar nos diferentes órgãos dos respectivos processos de integração até a suspensão dos direitos e obrigações resultantes destes processos.12 No seu contexto de criação, as cláusulas democráticas foram criadas como forma de prever uma reação institucional das organizações internacionais em caso, por exemplo, de golpe de Estado – refletindo a intenção de estabelecer uma espécie de garantia de não repetição dos eventos que levaram a América Latina a um movimento sincrônico de militarização e autocratização durante o período da Guerra Fria. Nesse sentido, o dispositivo adotado no MERCOSUL, em contraste com o da OEA, parece ter ampliado e atualizado a concepção de golpe de Estado, eliminando a necessidade de se verificar o uso da força na situação concreta como critério de acionamento do mecanismo e estabelecendo a possibilidade de se suspender também os efeitos da participação dos Estados eventualmente sancionados, para além de retirar-lhes tão somente a voz e o voto nas instâncias deliberativas. Depreende-se, aqui, que o modelo mercosulino, além de progredir no escopo das sanções previstas, também abrangeu conceitualmente ameaças institucionais mais condizentes com o período pós-redemocratização da América Latina, permeado pela instrumentalização das instituições do Estado e por ações desenvolvidas nos campos de mídia, inteligência, comércio exterior e orçamento doméstico, entre outros, muito além de se limitar à hipótese de uso da força por parte de forças militares.13 Tanto é que, em segundo momento, a aprovação da Carta Democrática Interamericana (CDI), em 2001, contemplou, na dimensão conceitual diversas hipóteses de perturbações democráticas nos artigos 17 a 22, desde “a ruptura da ordem democrática ou uma alteração da ordem constitucional”14 percepção por parte de um governo nacional de que “o processo político institucional ou seu legítimo exercício do poder está em risco”.15 Na dimensão sancionatória, a CDI também buscou 12 MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL). Protocolo de Ushuaia sobre Compromisso Democrático no Mercosul, Bolívia e Chile. Ushuaia: MERCOSUL, 24 jul. 1998. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4210.htm. Acesso em: 29 abr. 2024. 13 ESTRADA, P. Neogolpismo na América Latina: uma análise comparativa do Paraguai (2012) e do Brasil (2016). 2019. 168 f. Dissertação (Mestrado em Ciências) – Programa de Pós-Graduação Integração da América Latina, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. 14 Artigo 19 da CDI. 15 Artigo 17 da CDI.
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