A Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia: contribuições para o MERCOSUL

Democracia e cidadania no MERCOSUL entre o veneno e a cura: estruturas intergovernamentais e a autocontenção (ou falta de ousadia) como qualidade institucional 535 resistiu a diversos desafios e que sua longevidade em si pode ser considerada um enorme êxito.16 Em sua primeira década, a iniciativa regional possuía viés econômico e comercial bem marcado. O contexto geral dos anos 90, especialmente na América Latina, era de liberalismo econômico exacerbado e a promoção da livre circulação de bens e de mercadorias se confundia com a própria motivação original do MERCOSUL. As necessidades regionais europeias dos anos 50, relacionadas à manutenção da paz e à superação dos traumas das guerras que deram ensejo à criação das estruturas embrionárias hoje consolidadas na União Europeia, explicam muito mal ou não se aplicam em definitivo aos movimentos formadores do MERCOSUL. Essa tentativa recorrente de encaixar uma formulação teórica exógena ao experimento regional sul-americano reflete apenas mais um sintoma de colonialismo acadêmico acrítico. O MERCOSUL não tem nada a ver com paz e segurança. O MERCOSUL é, em sua origem, um projeto econômico-comercial que, ao longo dos anos, ganhou contornos também sociais e políticos intermitentes.17 Nessa toada de mercado, o Protocolo de Olivos de 1994 desenhou a estrutura institucional da organização regional em funcionamento sem grandes modificações até hoje. Os órgãos decisórios, as normativas secundárias admitidas e a intergovernabilidade excessiva pouco ou nada diferem atualmente daquelas de 1995. Após a virada do século, naquela que pode ser identificada como segunda fase da cronologia histórica do MERCOSUL, a matriz econômico-comercial da organização seguiu com centralidade, mas passou a conviver mais intensamente com uma agenda social ressignificada por processos políticos internos dos Estados em contexto externo de consensos que permitiram maior aproximação política. Direitos humanos e democracia eram, de fato, temas normativamente presentes no MERCOSUL dos anos 90, mas foram potencializados institucionalmente no início do século XXI. Avanços nesses temas têm sido, de fato, mais tímidos nos últimos anos em decorrência essencialmente da falta de consensos entre os governos dos Estados Partes, mas os tratados celebrados e as normativas regionais aprovadas que potencializam a cidadania na região seguem vigentes e aplicadas pelos órgãos do MERCOSUL nos dias atuais. O momento político presente é, na verdade, mais de paralisação institucional e de timidez na produção normativa do que de retrocesso. Nesse sentido, percebe-se grande expansão, por exemplo, em áreas como direito internacional privado, mas pouco avanço institucional no MERCOSUL.18 De certo, em contexto de divergên16 VASCONCELOS, Raphael Carvalho. 30 anos velando o MERCOSUL vivo. International Law Association Brasil, 9 ago. 2021. Disponível em: http://ila-brasil.org.br/blog/30-anos-velando-o- mercosul-vivo/. Acesso em: 29 abr. 2024. 17 VASCONCELOS, Raphael Carvalho de. O Rinoceronte do Sul: um sobrevivente inevitável e invisível – Os 30 anos do MERCOSUL. In: VIEIRA, Gustavo Oliveira (org.). MERCOSUL 30 anos: caminhos e possibilidades. Curitiba: Instituto Memória, 2021. p. 166-178. 18 Reflexões da professora Claudia Lima Marques a esse respeito lançaram luz à diferença de impacto dos contextos políticos nas dimensões pública (institucional) e privada (eminentemente normativa) do MERCOSUL.

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