Raphael Carvalho de Vasconcelos e Celso de Oliveira Santos 536 cias ideológicas, é mais fácil legislar para aplicar uma regra civilista harmonizada regionalmente aos indivíduos do que intensificar a relação política entre soberanias. Conforme apontado, durante os anos 90, com a sincronicidade recorrente entre os fenômenos políticos e econômicos entre Brasil e Argentina, muitas vezes identificada também no Paraguai e no Uruguai, o MERCOSUL experimentou rápido avanço em consensos a respeito de sua estrutura institucional e de suas pautas comerciais. A dimensão ideológica era escamoteada por um discurso econômico focado em livre circulação de mercadorias e harmonização de tarifas e práticas aduaneiras. Crises econômicas com implicações no câmbio e na inflação, corroendo o poder de compra e o valor das moedas da região, desgastaram o modelo liberal econômico que teve bastante êxito no impulsionamento do MERCOSUL e, pouco a pouco, governos de centro-direita foram sendo substituídos por representantes com viés progressista em toda a América Latina. Esse fenômeno, referido com frequência como “onda rosa”, marcou, no MERCOSUL, a substituição da retórica comercial e econômica por discursos sociais e identitários.19 Esse cenário, merece, contudo, diagnóstico menos definitivo e certo esclarecimento. O afastamento do MERCOSUL da pauta comercial no início dos anos 2000 e sua substituição por longos discursos sociais nas reuniões de cúpula de presidentes pode refletir mais a inviabilidade de avanços na integração produtiva decorrente de maior protecionismo provocado pelo contexto geral de crise. Por outro lado, esse panorama se manteve nos anos seguintes, muito favoráveis economicamente. Em relação às causas dessa mudança de foco, sobram, portanto, ilações em meio a poucas conclusões definitivas. A percepção de que a fase progressista do MERCOSUL enfrentava grande dificuldade para converter a retórica social em ação concreta, paralelamente ao ritmo mais lento da agenda comercial, não se sustenta em qualquer observação superficial do fortalecimento institucional e da expansão geográfica da organização de integração nesse período. No plano institucional, entre os anos de 2002 e 2015 foram criados diversos órgãos na estrutura do MERCOSUL sem aderência comercial como, por exemplo, o Instituto Social e o Instituto de Políticas Públicas e Direitos Humanos e, na dimensão política e geográfica, destaca-se o ingresso da Venezuela e o início do processo de admissão da Bolívia como membro pleno. A guinada progressista, por óbvio, levou o tema social e a proteção do ser humano definitivamente à institucionalidade do MERCOSUL, mas não corrigiu o déficit democrático do processo de integração. O povo estava na pauta, mas não deliberava a respeito dela. A intergovernabilidade tão característica do MERCOSUL 19 FERNANDES PIMENTA, Gabriel; ARANTES, Pedro Casas V. M. Rethinking Integration in Latin America: The “Pink Tide” and the Post-Neoliberal Regionalism. Buenos Aires: FLACSO, 2014. Disponível em: http://web.isanet.org/Web/Conferences/FLACSO-ISA%20BuenosAi res%202014/Archive/19e10599-bf80-42fa-a9e1-accb107de234.pdf. Acesso em: 29 abr. 2024.
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