Anais do XXI Seminário Internacional Nanotecnologias, Sociedade e Meio Ambiente desafios jurídicos éticos e sociais para a “grande transição sustentável” (XXI SEMINANOSOMA) 78 é descabido imaginar que plataformas como a Uber criem frotas de VA, deixando de contratar condutores. Os passageiros, que se sirvam do veículo no seu interesse (são transportados), obviamente, não possuirão poder algum sobre o veículo, nem será sobre eles que recairá a obrigação de garantir que se encontra em condições de segurança para circular: quem terá a sua direcção efectiva será a Uber – que, além disso, ainda o utiliza para auferir rendimentos com ele –, pelo que será esta a responder objectivamente pelos danos que o veículo possa causar30. Como vemos, é possível defender a aplicação desta norma para fazer responder o proprietário do VA. Mesmo que entendamos não ser exactamente uma interpretação literal, seguramente que se atinge este resultado através de uma interpretação extensiva, pois o espírito da norma abrange perfeitamente estes casos. Resta saber o que se inclui no conceito de “riscos próprios do veículo”. No caso dos veículos de circulação terrestre tradicionais, para os quais foi criada a norma do art. 503.º, incluem-se neste conceito avarias mecânicas, electrónicas ou de outro tipo que possam provocar danos, mesmo estando o veículo estacionado (como os decorrentes da explosão do depósito de gasolina, etc.). Assim, são indemnizáveis os reito da Responsabilidade Civil, Lisboa, Quid Juris, 2017, p. 434, o autor continua a enten- der que “não se vê como v.g. tanto o locador como o comodante hão de geralmente ter um interesse próprio na utilização do veículo alugado ou comodatado”, pois “ela dá-se, ao invés, no interesse principal ou exclusivo do locatário ou do comodatário”). Discordamos. Cremos que os dois critérios não se confundem: uma coisa é a direcção efetiva e outra a utilização no próprio interesse. O locador tem interesse (económico) na locação; o locatário utiliza o veículo que alugou no seu interesse (ou seja, podem ambos ver preenchido o critério da utilização em interesse próprio), mas, em princípio, apenas um deles terá a direcção efectiva, ou seja, o encargo de zelar pelo bom estado do veículo. Em geral, este encargo pertencerá ao locador (proprietário), mas poderá ter-se transferido para o locatário, em virtude de a locação ser por um prazo suficientemente longo para se justificar que este proceda às devidas inspeções e revisões do veículo. Em sentido contrário, entendendo que locador e locatário respondem solidariamente, embora em caso de comodato já considere que o comodante não responderá “se o empréstimo tiver sido feito em condições (maxime de tempo) de o comodatário tomar sobre si o encargo de cuidar da conservação e do bom funcionamento do veículo”, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em geral, op. cit., p. 664. Não concordamos com esta dualidade de critérios (comodato vs. locação). 30 Por outro lado, o critério da “utilização no próprio interesse” determina também o afastamento da responsabilidade daqueles que utilizam o veículo por conta de outrem, como os comissários, tendo a lei deixado claro que, nestes casos, quem responde pelo risco é o comitente (cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, op. cit., p. 374). Só não será assim, caso o comitente utilize o veículo fora do exercício das suas funções de comissário, pois está a utilizar o veículo no seu próprio interesse, caso em que também responde pelo risco (cfr. art. 503.º, n.º 3). Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações (2009), op. cit., pp. 632-634.
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