79 Anais do XXI Seminário Internacional Nanotecnologias, Sociedade e Meio Ambiente desafios jurídicos éticos e sociais para a “grande transição sustentável” (XXI SEMINANOSOMA) danos que não decorram de conduta culposa humana, como os provenientes de falhas inesperadas do funcionamento do veículo31/32. Faz todo o sentido aplicar este raciocínio ao caso dos VA33. Se um VA atropelar uma pessoa porque não a identificou a atravessar a rua na passadeira, em virtude de uma falha num sensor (avaria mecâ- nica ou eletrónica), os danos causados a esta pessoa deverão ser res- sarcidos nos termos desta norma. O dono do veículo deve responder porque é quem retira os benefícios de possuir e usufruir de um veículo que pode sofrer deste tipo de avarias, tal como responderia se se tra- tasse de uma avaria mecânica num automóvel tradicional34. Poder-se-ia pensar que, seguindo esta lógica, todos os danos provocados por VA deveriam ser incluídos nos “riscos próprios” destes veículos: danos causados por defeitos da programação; por ataques de cibernautas de origem desconhecida (pois, caso se consiga identificar o hacker em causa, será este o responsabilizado, naturalmente); por falta de informação no manual de instruções; por a programação do VA ter evoluído para além do que era previsível por parte do produtor, através de deep learning, passando a decidir por si, autonomamente, provocar danos, etc. Não concordamos. O detentor de um VA sabe que poderá ter de responder se uma avaria mecânica se verificar e causar danos a terceiros. Mas, se imaginasse que poderia ser responsabiliza- do por situações que escapam de todo ao seu controlo, dificilmente utilizaria um VA. Principalmente porque há quem, com muito mais razão, deva ser responsabilizado por estes danos. Neste tipo de situa- ções, já estamos fora do risco normal da vida que recai sobre o detentor de um VA. 31 São abrangidos, ainda, “os danos decorrentes dos riscos a que está sujeito o condutor: doen- ça súbita (…)”, Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, op. cit., pp. 514-515. 32 Naturalmente, provando-se a culpa do condutor (por exemplo, por conduzir em excesso de velocidade), aplicar-se-á o regime da responsabilidade subjectiva, previsto no art. 483.º, deixando de se aplicar os limites da indemnização previstos no art. 508.º. Igualmente neste sentido, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, op. cit., p. 379. 33 Considerando que o regime da responsabilidade objectiva do detentor do veículo, conjuga- do com o regime da responsabilidade objectiva do produtor parecem garantir uma protec- ção efectiva ao lesado, Henrique Sousa Antunes, «Inteligência artificial e responsabilidade civil», op. cit., p. 23. O autor considera, ainda, que o regime legal da responsabilidade por acidentes de viação (arts. 503.º a 508.º) é muito mais apropriado para fazer responder o detentor/utilizador de robots pelos danos que estes venham a provocar do que a respon- sabilidade subjectiva prevista no art. 493.º, n.º 1, do Código Civil (dever de vigilância sobre coisa ou animal) ou mesmo a responsabilidade objectiva prevista no art. 502.º do Código Civil. Idem, pp. 28-29. 34 Discordamos, assim, de Manuel Felício, que considera que todos os danos causados por VA integram os riscos próprios do veículo (v. Manuel Felício, «Responsabilidade civil extra- contratual por acidente de viação causado por veículo automatizado», op. cit., pp. 517-518).
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