83 Anais do XXI Seminário Internacional Nanotecnologias, Sociedade e Meio Ambiente desafios jurídicos éticos e sociais para a “grande transição sustentável” (XXI SEMINANOSOMA) comprador do VA, não sendo suficiente para proteger o património dos restantes lesados, até porque não é possível aplicar-se um regime de responsabilidade objectiva a casos análogos não previstos na lei; seria urgente que o legislador criasse normas adequadas que contemplassem as situações em que um VA provocasse danos em coisas de terceiros. Ora, não se justifica uma resposta diferente quando o defeito de concepção é o mesmo e deve ser imputado ao produtor, saindo fora do âmbito dos riscos próprios do veículo. Por outro lado, se atentar- mos na letra da lei, no art. 8.º do DL n.º 383/89, que estabelece quais os danos que são ressarcíveis à luz deste regime, vemos que esta não limita a ressarcibilidade às coisas pertencentes ao consumidor que ad- quiriu o VA: “[s]ão ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino”. Ou seja, o que a lei deter- mina é que o lesado (podendo este ser, perfeitamente, um qualquer terceiro), cujas coisas sofreram danos, as utilize principalmente para seu uso ou consumo privado (e não profissional)47. Assim, em caso de acidente de viação provocado por um VA, caso seja atingido um outro automóvel (de uso particular), o seu proprietário terá direito a ser res- sarcido nos termos deste regime. Por outro lado, pode suceder que o defeito do VA não fosse detectável quando este foi comercializado. Falamos dos defeitos ou riscos do desenvolvimento, que a lei excluiu da responsabilidade do produ- tor, por o estado da técnica e da ciência não permitir que este pudesse prever e eliminar o defeito e, com isso, os danos dele decorrentes48. Imaginemos que, à data em que o VA foi colocado em comer- cialização, a sua programação não incluía directrizes que o instassem a decidir optar por atropelar uma ou outra pessoa, em caso de ser 47 Ficariam de fora, assim, apenas os danos não patrimoniais. Igualmente neste sentido, Mafalda Miranda Barbosa, «O futuro da responsabilidade civil desafiada pela inteligência artificial…», op. cit., pp. 271-272. A autora ainda discorre sobre se serão ressarcíveis e em que termos os danos causados a conteúdos digitais ou ao próprio hardware pelo software colocado em circulação. 48 Por isso, o momento em que o juiz deve aferir a cognoscibilidade do defeito é o momento da entrada em circulação e não o momento em que o dano ocorre. De outra forma, estaria a aplicar-se o regime da responsabilidade objectiva retroactivamente, o que não é razoável, nem conforme à lei (v. art. 4.º, n.º 1, in fine, deste regime). Contudo, é importante manter presente que o produtor só se exime de responsabilidade se a incognoscibilidade do defeito ou da periculosidade do produto for uma impossibilidade absoluta e objectiva de conhecer o defeito, de acordo com o estado da ciência a nível nacional e internacional, o que é o mesmo que dizer que o produtor deve manter-se sempre actualizado. Neste sentido, João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas (Conformidade e Segurança), op. cit., pp. 211 e ss.
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